spoiler visualizarANDER CELES 05/11/2023
A escrita de John Boyne continua excelente!
A escrita do John Boyne é incrível e continua super afiada. Quase vinte anos após "O menino do pijama listrado", temos uma continuação para a história. Eu descobri esse livro sem querer, porque acabei de fazer a releitura, para os meus alunos, do primeiro livro, e marcando aqui no Skoob a resenha do outro, vi esse livro como relacionado. Então não pensei duas vezes, já fui comprar pq precisava muito ler. Afinal, foi esse o meu primeiro de John Boyne, o que me fez me apaixonar pela escrita dele, então mesmo hj não achando que esse foi o melhor livro do autor, ainda assim foi o primeiro, então tenho um carinho muito especial por ele. Logo, a continuação era uma questão de "must read" imediato.
Bom, passando toda essa introdução, vamos a essa história. Muuuito boa. Muito melhor do que eu pensei. Pq continuação a gente sempre olha com olhos de desconfiança, já que pode ser só pra ganhar dinheiro e estragar a experiência do primeiro livro. E quando vi que a personagem principal seria a Gretel, fiquei meio cético se seria uma boa história, pq a Gretel não é uma personagem muito agradável na história original. Mas não poderia estar mais enganado.
A Gretel como personagem principal é muito melhor do que o Bruno. Claro, há muitos pontos que colaboram pra isso. Primeiro, temos a Gretel apresentada em várias fases da vida, fases mais velhas, o que já diferencia a narrativa dela da do Bruno, que era um menino de 9 anos e que não entendia nada do que tava acontecendo.
Essa forma de contar a história, em fases, é muito boa. O Boyne já fez isso em outros livros, e ele é mestre nesse estilo. Vemos a Gretel adolescente, recente saída de toda aquela situação em Auschwitz, ainda com muitas ideias confusas sobre o que é certo e errado, na companhia da mãe. Temos conhecimento do que aconteceu com todos após o final da guerra, e como a mãe dela lidou com a questão. Vemos também a consequência que elas sofrem por serem da família de um comandante nazista.
Aí temos um interlúdio que mostra uma Gretel já adulta, e com dificuldades de lidar com seu filho recém nascido.
Então temos uma outra fase da Gretel, já adulta, vivendo na Austrália, e tendo um encontro muito inesperado com um velho conhecido. Essa parte é bem interessante.
Mais um interlúdio, mostrando a Gretel ainda em Auschwitz, tendo um encontro com Shmul no campo de concentração. Isso foi algo bem inesperado, fiquei pensando se foi forçado ou não. Mas acho que não. Afinal, no primeiro livro, temos apenas o ponto de vista do Bruno. Então, é plausível que coisas importantes também tenham acontecido com a Gretel.
E a última parte, narra o encontro de Gretel com Edgar, seu único marido e com quem tem um filho. Nesta parte, temos um confronto final entre Gretel e seu passado.
Ao longo dessas partes, temos uma narrativa nos anos atuais, com a Gretel já nos seus noventa e um anos, tendo que lidar com novos vizinhos. Entre esses, um menino que se parece muito com seu irmão morto.
Bom, a escrita do livro é perfeita, dá vontade de continuar lendo pra sempre. E eu até iria favoritar o livro. Mas duas coisas aconteceram que me fizeram rever essa decisão.
Primeiro, foi encaixado um acontecimento na linha do tempo desse livro que conflita com o primeiro livro. Aqui é dito que a Gretel deu a ideia pro Bruno de entrar no campo de concentração para procurar o pai do Shmul, que deu a ideia dele pegar o uniforme para se disfarçar. Só que no primeiro livro, é o Bruno quem tem essa ideia, assim que o Shmul diz que seu pai desapareceu. Então, foi dada essa camada pra Gretel agora pq ela se sente culpada pela morte do Bruno, afinal ela teria dado a ideia para ele, ela sabia que ele entraria no campo, e não teria dito pra ninguém. Mas isso contraria o primeiro livro. Enfim. Uma falha de continuação. E ainda dentro dessa vibe de culpa, o tempo todo as pessoas culpam a Gretel por ser filha do Ralf, mas ela era uma criança, não tinha o que fazer, e por mais que soubesse do que acontecia, o que uma criança poderia fazer? Mas até o final do livro ela é ameaçada por outras pessoas de parar na cadeia por conta disso. Mas ela não fez nada, então... tudo bem, pode ser uma marca de trauma, mas que não poderia ser levada a sério no mundo real.
E seguindo esse ponto, da culpa, achei o final o ponto mais fraco. Ela mata o Henry, é a solução que ela encontra pra salvar o filho dele da violência. E ela faz isso pq acha que vai salvar o menino e ao mesmo tempo pagar pelos seus crimes na cadeia (pela culpa que é carrega, que não tem a ver com ela). Acho que no final, ela poderia simplesmente expor a violência do Henry para com a família e lidar com as consequências do seu passado. Mas claro, isso iria afetar o filho dela, o neto por vir. Mas acho que seria o mais coerente para o final do livro, o mais próximo do que é real.
Uma outra coisa me incomodou: a tradução. O nome do Shmul virou Samuel. O que o Bruno chamava de Haja-Vista (porque ele não conseguia falar Auschwitz) ficou aqui como Fora-Com, provavelmente uma tradução literal de Out-With, que em inglês lembra Auschwitz, mas em português não faz sentido algum.
Dito isso, é um excelente livro, a forma narrativa é afiadíssima e leria de novo, com certeza.