Pedro 15/03/2023"Chuva de Papel" é o terceiro e mais recente romance da carioca Martha Batalha, autora já conhecida pelo seu primeiro trabalho chamado 'A vida invisível de Eurídice Gusmão', de 2016, que ganhou as telonas com Fernanda Montenegro no elenco. Com o pensamento de que a autora escreve muito do que conhece, mesmo
subconsciente, aqui ela se volta para um tema familiar no sentido profissional de escrita e jornalística.
Em meio a pandemia, a obra traz como protagonista Joel Nascimento, um homem que muito jovem se envolveu com o jornalismo; como aprendiz, descobriu os macetes, jargões e a reportar as matérias policiais interessantes mais para o seu público instigado pela afirmação de mostrar o lado real do Rio de Janeiro. Foram anos escrevendo reportagens sensacionalistas, daquelas conhecidas como cabidela que deixa escorrer sangue pelas páginas. Boêmio, Joel aproveitou o melhor da cidade, casou algumas vezes, mas se encontra num estado decadente na terceira idade: alcoólatra, sem rendimentos financeiros e se escondendo das obrigações de pai, como pagamento de pensão.
Após uma tentativa falhada de suicídio, ele sofre algumas fraturas e precisará residir de favor na casa da tia de seu amigo de redação. Joel que tem suas idiossincrasias, conhece Glória, a dona do lar e que bate de frente com a rabugice do seu novo inquilino. Ela possui o sonho de escrever um livro de memórias, que, aliás, já está em andamento. Os novos dias na casa passam-se com a chegada de Aracy, vizinha e melhor amiga de Glória, uma viúva que adora misticismo e os seus dois cachorros chihuahua.
De forma intercalada, numa narrativa que vai de primeira a terceira pessoa, a autora reconstrói a história de suas personagens num fluxo temporal de idas e voltas. É interessante acompanhar, em tão poucas páginas, a construção dessas histórias de vidas, suas origens e relações familiares que as trouxeram até aqui. Vemos todo o conservadorismo do passado, o papel delegado às mulheres de submissão para atender as demandas do marido em detrimento de seus reais desejos e o momento de ruptura quando há o despertar para si mesma.
A princípio também conhecemos a evolução do jornalismo sensacionalista, os métodos de apuração corruptos de alguns repórteres que interferiam nas cenas dos crimes para fazer vender jornal, o auge e a crise do jornal impresso com a chegada do digital e as demissões por fim dos periódicos. Histórias que se interligam com personalidades reais, como é o caso do Assis Chateaubriand (confira aqui a resenha de sua biografia:http://www.decaranasletras.com/2016/02/resenha-142-chato-o-rei-do-brasil.html) que, apesar do grande nome e seu conglomerado das comunicações, tinha suas atuações antiéticas na profissão.
Este é um livro que aborda temas tabus, principalmente o suicídio que aqui não deu muito certo, também foca muito no luto, histórias de mortes que esses personagens guardam em comum. A filha de Glória, o esposo de Aracy, o pai de Joel ainda na sua frente quando criança... Mas não chega a ser uma obra de sofrimento, pelo contrário, há um tom cômico que desfoca a lamúria. Desses sofrimentos, vemos personagens se aproximando, mesmo que contra suas vontades, mostrando ser possível ir se apegando a outras coisas para seguir em frente, até mesmo quando parece estar tudo perdido, e do fundo do poço achar a história que levará a enxergar motivações suficientes, quem sabe até financeiras, para não desistir.
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