Ludmilla Silva 03/04/2024"Isso não está nem perto da pior coisa que já fiz!"Amo encontrar livros únicos no meio de tanto livro genérico atual. Sei reconhecer também que hoje é difícil escrever um livro 100% inovador com tudo que já foi criado ao longo de centenas de anos. E não estou aqui para dizer que o livro de Xiran Jay Zhao é extremamente inovador, ele não é por completo. Obviamente ainda segue algumas regras e padrões clássicos de literatura infanto-juvenil, contudo, mesmo em um gênero tão trabalhado e autore consegue inovar ao trazer a mitologia chinesa muito bem entrelaçada com a tecnologia recente.
Para mim esse é o primeiro trunfo do livro: o fato de Xiran Jay Zhao conhecer muito bem a mitologia e a história da China e nos trazer isso de uma forma extremamente cativante e simples de entender. É claro, que algumas mitologias são fortes por aqui, principalmente a grega e a egípcia, e por vezes a nórdica, entretanto mitologias e histórias 100% orientais tendem a ser apagadas no ocidente e geralmente não chamam tanto a atenção das pessoas.
O fato é que Zhao nos apresenta uma história ancestral chinesa extremamente interessante, e consegue misturar as mitologias e fatos sobre seu país ao nos apresentar um protagonista que seria a nossa própria representação: aquele que não sabe nada sobre a China, mas que cogita aprender com as histórias. Gosto como o Zach é chinês, e tem essa ligação ancestral com esse país, mas não sabe nada sobre ele, pois, ao mesmo tempo que ele está aprendendo mais sobre sua história e sua ancestralidade, nós, leitores, também estamos aprendendo.
É claro que aqui a história da China é simples, resumida e direto ao ponto, porém Xiran Jay Zhao é tão perfeite que para quem tem interesse em saber mais sobre a história completa do primeiro imperador da China, Qin Shi Huang, elu tem a versão completa em seu canal do YouTube. Enfim, essa parte do background chinês me interessou muito, pois eu sempre tive vontade de conhecer mais sobre as histórias orientais e não sabia como dar o primeiro passo. E, bem, aqui estamos. Para quem é fã de Percy Jackson e de outros livros de outras mitologias, com certeza amará esse aqui.
Para além da história, outro fato muito bem trabalhado aqui é a tecnologia. Zhao conseguiu associar mitologias e contos milenares com uma tecnologia extremamente recente. Parte da premissa do livro tem a ver com o fato desse primeiro imperador chinês, Qin Shi Huang, tentar possuir o corpo de Zachary Ying e não conseguir e acabar então por possuir seus óculos de realidade aumentada. E o seu principal antagonista, o Imperador Amarelo, simplesmente controla a maior empresa tecnológica do mundo, a mesma que produz os óculos do Zach.
Sei que o livro foi oficialmente lançado em 2022, mas o meu timing foi simplesmente perfeito, pois esse ano a Apple lançou o Apple Vision Pro e esse aparelho é basicamente a melhor forma de descrever esse livro, e a dinâmica entre a criança e imperador, que consigo pensar. Não sei se Zhao foi revolucionárie ao pensar nessa estrutura de óculos de realidade aumentada ou se de fato já existia como ela descreveu, só sei que funcionou muito bem aqui, e está longe de estar defasado ao ser justamente o que está permeando a nossa realidade.
Outro ponto que me agrada muito nos livros de Zhao é o quão eles fogem um pouco dessa fórmula de bem e mal. Ainda existe protagonista e antagonista, mas aqui é um pouco diferente, pois os personagens principais tendem a não ser 100% bonzinhos e heróis, eles fazem coisas extremamente questionáveis que você não sabe se defende ou não, eu os considero mais anti-heróis do que heróis, e isso traz um tom e uma profundidade maior a obra. Talvez o Zach não se encaixe tanto nessa descrição, mas digo isso mais dos imperadores: Qin Shi Huang, Wu Zetian (a também protagonista de A Viúva de Ferro) e Tang Taizong. E o fato de todos eles serem personagens históricos — lê-se imperadores tirânicos — torna a obra, e talvez até o nosso julgamento, mais interessante. Sabemos que eles fizeram coisas horríveis, mas, ao mesmo tempo, também tiveram passados e vidas repletas de sofrimento, e agora estão tentando se redimir. Então, é certo torcemos por eles? Esse é um dos questionamentos que o livro nos traz e que me agrada bastante.
Eu não entrei tanto aqui na história do livro, pois particularmente acho uma maravilha começar sem saber muito sobre. Mas de forma geral, digo que o livro foi uma ótima surpresa, tem amizade, tem família, tem luta, guerra, sangue, tem protagonista LGBT+ e o melhor de tudo tem cliffhanger no final, significando que teremos, sim, mais livros desse universo maravilhoso. E eu torço muito por uma trilogia. Espero de coração que a Zhao se livre dessas amarras da editora estadunidense que ela se meteu e consiga o mais breve possível lançar as sequências dos seus dois livros. Por fim, eu recomendo demais a leitura, é, sem dúvidas, um ar novo para um gênero tão repetitivo.