Ana Carol 18/02/2024
Pérola preciosa
Essa história não trata de um personagem principal, mas de uma "família principal". Ao longo dos anos, ou melhor, século, seguimos acompanhando as dores e alegrias dos membros dessa família, seus descendentes, amigos e conhecidos, que embora não sejam os protagonistas, tem seu espaço e importância ao longo da história. Acho lindo como isso se encaixa com a vida real, pq embora existam as pessoas em "evidência" (artistas, influences, empresários, ou seja, pessoas "famosas") existem muito mais pessoas "comuns" vivendo suas vidas "comuns" que talvez não tenham significado para muitos, mas que são muitos significativas no seu entorno imediato.
A história começa em 1855, quando Ludovico, imigrante alemão, desembarcou no Rio de Janeiro, buscando uma nova vida mais conectada com seus valores e sonhos. Aos trancos e barrancos ele foi construindo essa vida, trabalhando duramente até conseguir se estabelecer. Acompanhamos sua vida, suas dificuldades e também a recompensa por seu trabalho duro. Seguimos as histórias de seus descendentes (Lauro, Pedro, Maurício, Carlinho), ora em épocas mais longínquas, ora em épocas mais recentes. A história não é linear, havendo um vai e volta na linha temporal e é muito interessante essa construção pois não é aleatória mas uma construção e entendimento da vida do "personagem do momento", o que torna a história mais rica e amarrada.
Entremeando toda a narrativa tem voz do narrador, que logo no início do livro a autora propõe um desafio para o leitor descobrir quem é (confesso que eu refleti muito, captei a pista e a ideia, mas o nome não foi tão óbvio quanto achei que fosse e por isso mesmo gostei do desfecho mais ainda!). Esse narrador e sua forma tão ampla de ver as coisas realmente é quem nos coloca para pensar sobre os dilemas e os encantos da vida. Nos faz refletir sobre emoções , sobre as decisões dos personagens, sobre a complexidade da vida e todas as nuances de cada situação. Sua voz de sabedoria nos faz ver os dois lados da moeda, que tudo é relativo.Ele não imprime emoção pois é objetivo, acurado e assertivo, mas ao mesmo tempo descreve lindamente emoções e sentimentos dos personagens de forma a tocar a nossa alma. Ele diz o que todo mundo pensa mas não tem coragem de dizer... Seja porque é uma realidade dura, seja pq socialmente não podemos dizer. Guardei muitas de suas frases pq apesar de apreciar uma boa leitura tenho dificuldade de dizer de uma forma bonitas as coisas simples (é isso é o que mais encontramos nesse livro).
Outra coisa muito rica é o desenvolvimento do texto. Começa de uma forma muito "machadiana" se eu puder assassinar o português, quando trata da história que acontece de 1855 até a virada do século, e o texto / gramática / termos vão evoluindo conforme a passagem do tempo. Em paralelo os diálogos marcam toda a diversidade da nossa língua nas mais diversas regiões do país, tornando a leitura muito agradável e real.
Não vou me estender sobre a história em si, pq penso que melhor que uma resenha é ler o livro inteiro e tirar nossas próprias conclusões. E ele possui muitas camadas além da trama e dos fatos. Aborda questões como o luto e tristeza, violência, justiça e liberdade, o poder dos afetos e da amizade (inclusive entre animais, o que achei também de uma delicadeza incrível e surpreendente!) e, principalmente, que é o tom do livro, e para mim seu ponto alto: a capacidade de redenção que todos podemos ter se nos abrirmos para isso através da auto observação, da compreensão amorosa, das oportunidades que a vida nos dá para que isso aconteça. ?
E o nome do livro, que é uma peça a parte de toda a história ... Faz todo sentido sobre as clausura em que vivemos, limitações que nos colocamos, regras que seguimos mas que não existem, nossos aprisionamentos condicionados ou não. Se eu pudesse resumir esse livro em uma frase eu diria que ele é uma pérola preciosa que precisa ser descoberta e apreciada por mais e mais pessoas!