Resenhas - Um pé na cozinha

Gabriela.Ashanti 10/01/2023

Eu que estou passeando academicamente na literatura, fui logo tocada por ter sido essa uma das fontes utilizadas pela pesquisadora. Mas a primeira obra literária que me ocorreu nem foi uma das citadas, mas sim o romance de Eliana Alves Cruz, Solitária. Apesar de sobretudo tratar das cozinheiras, me ocorreu que a Cozinha é uma personagem em si da narrativa tão bem desenhada e fundamentada que Taís nos apresenta. O Quarto de Empregada, aquele que é sempre pequeno, muitas vezes sem ventilação e insalubre, personagem relevante na narrativa de Eliana, está sempre margeando a Cozinha, mas ambas têm suas próprias histórias para contar.

A propósito, o âmbito doméstico, analisado
com acuidade, vai nos apontar algumas questões importantíssimas. No que tange à obra, destaco como espaço paradigmático do papel das mulheres brancas na violência escravista-colonial, moderna e contemporânea contra mulheres negras. Taís nos apresenta essa
dimensão em diversos momentos da pesquisa, mas o registro atualíssimo sobre Cleonice, a cozinheira negra e primeira vítima fatal de COVID no Brasil, me chamou atenção. Me lembrei mais uma vez de Solitária, mas tambem lembrei do que coletei durante a minha pesquisa de mestrado sobre trabalho doméstico. Lá em 2018 ouvi Lenira Carvalho e Creuza Oliveira relatarem desde abusos físicos, psicológicos e patrimoniais, cárcere privado e outras violências cometidas por mulheres brancas, até o recuo no apoio político das feministas brancas quando seus próprios interesses poderiam ser impactados pela garantia de direitos da trabalhadoras domésticas. Um Pé Na Cozinha coloca mais uma pá de cal na covinha da relação entre feminismo branco e o movimento de mulheres negras (designados feminismos negros ou não), porque há agências e agendas que não são complementares, mais sim conflitantes.

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