Liar1 26/05/2024
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Só depois de se afastar das pretensões e retornar para a existência nua e crua, o ser humano toma parte da tranquilidade que constitui o fundamento da felicidade humana. Essa tranquilidade é necessária para considerar assimilável o presente e, desse modo, a vida inteira.
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Pois quanto menor o estímulo da vontade, tanto menor o sofrimento.
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A maior simplicidade possível de nossas relações e até a uniformidade do estilo de vida, enquanto não produzir tédio (difficilis in otio quies), tornam as pessoas felizes, porque permitem que sintam a própria vida e, por consequência, a sua carga essencial, de modo mais suave.
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Por um lado, não se pode contar seguramente com ninguém a não ser consigo mesmo e, por outro lado, os desconfortos e as desvantagens, os perigos e os aborrecimentos que a sociedade traz consigo são incontáveis e inevitáveis.
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Cada pessoa só pode ser ela mesma por inteiro enquanto estiver sozinha. Portanto, quem não ama a solidão tampouco ama a liberdade, pois somente quando se está sozinho é que se está livre.
Consequentemente, cada um evitará, suportará ou amará a solidão na exata proporção do valor do seu si-mesmo. Pois é na solidão que o miserável sente toda sua miséria, o grande espírito sente toda sua grandeza; em síntese, cada um sente o que é.
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Em tal sociedade, temos que abrir mão, com difícil abnegação, de três quartos de nós mesmos, para nos parecermos com os outros. Em troca, é claro que temos os outros: no entanto, quanto mais uma pessoa possui valor próprio, tanto mais ela considera que o ganho não cobre a perda e que o negócio resulta em sua desvantagem. Por isso, a maior parte da sociedade é constituída de modo que quem a troca pela solidão faz um bom negócio.
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Além disso, quanto mais alguém tem em si, tanto menos os outros podem ser algo para ele. O contrário disso torna as pessoas comuns tão sociáveis e acomodáveis: é-lhes mais fácil suportar os outros do que a si mesmas.
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Ao ser humano intelectualmente superior, a solidão confere uma dupla vantagem: em primeiro lugar, a de estar consigo mesmo e, em segundo lugar, a de não estar com os outros. Esta última deve-se colocar em destaque quando se considera quanta imposição, quanta reclamação e até mesmo quanto perigo todo relacionamento traz consigo.
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Num outro sentido, a solidão não é natural ao ser humano; visto que ele, ao ingressar no mundo, não está sozinho. Por conseguinte, o amor à solidão não pode existir como propensão originária, mas apenas surgir em consequência da experiência e da reflexão.
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O isolamento prolongado e a solidão deixam nossa disposição tão sensível que nos sentimos perturbados, ofendidos ou feridos pelos mais insignificantes fatos, palavras ou até por meras expressões, ao passo que aquele que permanece na agitação do mundo nem os leva em conta.
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A inveja dos seres humanos indica como se sentem felizes: sua insistente atenção ao que os outros fazem ou deixam de fazer mostra o quanto se entediam.
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A fantasia deve, portanto, ficar fora do jogo, pois não sabe julgar, mas traz aos olhos meras imagens que mexem com a alma de modo desnecessário e, muitas vezes, desagradável.
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Todo dia é uma pequena vida. Cada despertar e levantar é um pequeno nascimento, cada nova manhã é uma pequena juventude. E cada ir para a cama e adormecer é uma pequena morte.
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No todo, devemos conceber que nosso pensamento nada mais é do que a função orgânica do cérebro, e, no que diz respeito a esforço e repouso, comporta-se de modo análogo a qualquer outra atividade orgânica.