larissajustino 10/05/2024
Que-livro-meu-deus-do-céu
Eu tô desolada. Vai rolar uma ressaca das brabas por aqui. Há tempos um livro não falava tanto comigo!
Rosa Montero botou tudo pra fora nessas páginas em que percorri apressada, devorando tudo, quase que numa urgência em saber de tudo isso que nunca me foi dito antes. Meu Deus, maravilhosa.
O mais incrível é que esse livro chegou até mim sem nenhuma referência. Fui conhecer uma livraria na minha cidade natal e me deparei com ele ali, na estante. Li o que vinha na orelha e de cara achei que fazia todo sentido levar pra casa e ver o que o restante tinha pra me mostrar. Entre uma lista infindável de livros que a gente colaciona pra adquirir em algum momento, a melhor coisa foi ter passado esse na frente. Com tempo pra todos os propósitos debaixo desse céu, esse aqui chegou com os dois pés na porta, travestido em acaso mas de modo gritante me dizendo "lê isso aqui agora". E nada mais justo, porque antes tarde do que mais tarde.
Rosa Montero fala da existência enquanto artista mas fala, sobretudo, de uma existência com intensidade, com dor, com vulnerabilidade, contradição e melancolia e de sentimentos pesados que perseguem o ser humano e seus lados "difíceis", que às vezes parecem tão raros, tão pontuais em um indivíduo aqui e outro ali, quando na verdade são evitados, como um ajuste moral não verbal em que se determina "não falemos muito sobre isso". Mas Rosa faz diferente. Em O perigo de estar lúcida, todo mundo tem um quê de sofrimento e loucura e problemas mal resolvidos e flerte com a morte - vinda ao natural ou antecipada -, que nosso lado sofrido e louco e com problemas mal resolvidos se sente acolhido num lugar quente e seguro, longe de toda polidez e incompreensão.
(Essa resenha não tem propósito nenhum de ser bem escrita e bem finalizada porque simplesmente vim aqui botar pra fora tudo que senti no minuto seguinte ao fechar esse livro. Mas caio na real nesse exato momento de que não vou conseguir exprimir tudo.)
Existe um deslumbre, um sentimento sem nome pro que li ao longo dessas páginas - as quais, deixo bem claro, não são nada leves ou tranquilas, mas são como uma tormenta familiar, uma brasa morna pela qual a gente percorre descalço que não se pode dizer indolor, mas que provoca uma dor conhecida, já sentida.
São páginas de puro desfrute, em que li sem cansar como quem conversa com uma amiga. As pausas que fiz, senão pelo sono ou pelos compromissos, foram totalmente no intuito de digerir algum capítulo denso e cheio de referências, cujas notas tomei e vou atrás.
Dentre elas, uma das mais recorrentes é a que a autora faz à Sylvia Plath, e aqui registro o segundo fato mais incrível dessa leitura. No dia que adquiri O Perigo de estar lúcida, saí da livraria com ele e mais 3, sendo um deles A redoma de vidro, que já vinha na minha lista há um bom tempo. Diferente do de Rosa Montero, cheguei questionando se tinham o exemplar rosa que eu queria, porque não via exposto em nenhuma estante. E tinha, mas tava no estoque e o vendedor foi buscar, em meio à chuva, para mim. (Esse detalhe é importante pra ficar bem claro que os dois livros não estavam juntos, sequer próximos, como se a livraria ou alguém de conhecimento sobre eles pudesse fazer essa ligação organicamente algorítmica e me induzir a levar ambos. Mas, por pura obra do acaso, levei.)
Li A redoma de vidro pausadamente, porque precisava respirar em meio à tormenta mental da Esther, até pra não dissociar. O esforço era real e necessário. Lembro de uns dias depois de finalizá-lo até me sentir melhor. "Meus amigos voltei, não era depressão, eu só tava lendo Sylvia Plath", pensei em tuitar. Foi uma leitura doída, arrastada por ser doída, que fez sentido quando fechei a capa e muito mais quando abri a do livro de Rosa Montero. Inacreditável. E grande obra do destino.
A sensação é de que essa é uma obra viva, que não acaba quando termina. Eu posso voltar e reler muitos dos trechos que me atingiram porque rendem um bocado de reflexão. Posso também reabrir e buscar uma das milhares de referências entregues pra entender melhor as questões ali abordadas. Definitivamente, é um livro que não entrega suas palavras e se prontifica a ficar intacto no acervo, com sensação de missão cumprida. É fonte pra se revisitar quantas vezes necessárias. Sylvia Plath foi só uma das diversas referências ali discorridas. Tem chão demais pra explorar a cada página, cada autor, cada poema e obra mencionada.
Eu não sabia nada da Rosa Montero, mas agora quero saber o que puder. E ler o que mais ela tiver pra me mostrar - e que eu talvez sequer imagine minha urgência em descobrir.