Djeison.Hoerlle 06/12/2022
Quem conhece minhas resenhas sabe que, no geral, elas são muito mais úteis para pessoas que já conhecem o material do que para aquelas que estão simplesmente tentando decidir o que comprar em seguida, tanto que raramente gasto algum tempo relatando o desenrolar da história, e sim trazendo minhas impressões sobre, ou um pouco de contexto histórico, mas Uma História de Crime e Poesia é um quadrinho tão especial que achei que seria válido fazer algo um pouco fora do meu habitual. Vamos à resenha.
Há na nossa sociedade, um conjunto de fatores determinantes cruciais para o exercício da liberdade, e que, na sua ausência, funcionam como prisões, mesmo que não oficialmente. Dinheiro, por exemplo, é um deles, afinal, sem grana não conseguimos fazer muita coisa.
Partindo dessa necessidade (que provavelmente nós todos conhecemos bem), é que o protagonista de Uma História Real de Crime e Poesia, Matt Rizzo, envolve-se em uma tentativa de assalto que, sendo frustrada, tira-lhe a liberdade literal de ir e vir, mandando-o à prisão, e também a visão, a qual sela essa sucessão de privações que compõem o declínio deste personagem.
É nesse ponto, precisamente, que a história mostra a que veio, pois é na prisão que Matt, por meio de uma amizade improvável com um sujeito chamado Nathan Leopold Loeb, descobre uma nova forma de se relacionar com o mundo e o contexto em que vive: os livros.
Antes de entrar nos méritos dessa virada narrativa, cabe dizer que o personagem de Leopold é fantástico, para dizer o mínimo. A começar pelo fato de que? ele não é um personagem! O verdadeiro Nathan Leopold Loeb de fato foi à prisão pelo assassinato de um garoto de 14 anos, que ficou conhecido como o "Crime do Século". As motivações dele e seu comparsa foram mostrar sua superioridade intelectual, cometendo um crime horrendo sem deixar provas e nunca sendo presos. Não preciso dizer que o plano foi frustrado. Sobre esse ponto, cabe dizer que não existe nada mais intelectualóide de início de Século XX do que homens que se acham superiores a outros homens a ponto de desprezar até mesmo suas vidas. O ponto de partida deste momento nebuloso talvez tenha sido a soma de interpretações errôneas da obra de Nietzsche (mais precisamente Assim Falou Zaratustra com o conceito de Superman) somada com alguns contorcionismos mentais para enquadrar também a obra de Darwin como argumento. O resultado dessa brincadeira, além do assassinato de um menino em Chicago, nós vemos refletidos até hoje. Nazismo, fascismo, genocídios e guerras.
Mas ok, acho que já me estendi suficientemente nesse parágrafo sobre o zeitgeist da primeira metade do Século XX. Prossigamos para a história.
Na medida que os livros, mais precisamente, Inferno de Dante Alighieri, vão crescendo em significado e importância para Matt Rizzo, nós vemos a sua vida sendo ressignificada. Isso porque, por mais que nosso protagonista passe a associar a prisão em que se encontra ao inferno e todos os círculos apresentados na obra de Dante, esta faz questão de lembrá-lo que o Inferno não dura para sempre. Há mais a ser vivido lá fora.
E ok, esse fascínio lúdico por livros é, talvez, um tema já um tanto piegas. Já foi abordado em diversas obras, de diversas formas. Inclusive, é precisamente o que estou fazendo na história que venho escrevendo. Os méritos do autor, David L. Carlson, nesse caso, são amarrar a história do Inferno de Dante à prisão que Matt é submetido. Um dos temas não funciona sem o outro, indo muito além daquele tipo de referência gratuita que costumamos ver em séries como The Big Bang Theory ou filmes do Tarantino. Compreendendo Uma História Real de Crime e Poesia, compreendemos melhor Dante e sua importância, e vice-versa.
Falando por mim, com toda essa pompa intelectualóide que eu (gosto de pensar que) tenho, digo que é impossível não se apaixonar pela história. A companhia de livros é, por vezes, solitária, mas é nela que encontramos refúgio para os dias mais escuros e também a inspiração para lidar com eles, e acho que poucos autores até hoje souberam comunicar isso de forma tão objetiva sem perder originalidade, estilo e profundidade quanto David Carlson e Landis Blair.
Leiam essa maravilha!