spoiler visualizarG.L. 26/08/2022
Óbvio, raso e doentio // 1,5 estrelas
Uma das minhas maiores decepções literárias, se não a maior. Tinha expectativas por ter acompanhado a autora quando o livro foi pirateado e plagiado, vendo todo o conteúdo promocional que era postado, mas, quando finalmente li, fiquei tão triste com a experiência que resolvi escrever essa resenha.
As 900 páginas poderiam ser reduzidas a, se muito, 400. A escrita não é objetiva, as descrições longas e detalhadas de nuances que não acrescentam absolutamente nada à história são absurdas e cansativas, e existem cenas e diálogos inteiros que poderiam ser cortados. Também não vi necessidade nenhuma de repetir as mesmas cenas em pov’s diferentes, porque eram cenas comuns, rotineiras, ou até os hots repetidos, que não pediam por mais de um ponto de vista. Só tornou o livro mais maçante. Mostrar a rotina do personagem é irritantemente exaustivo para o leitor, principalmente quando isso é feito repetidas vezes, em prolongadíssimos capítulos. Parágrafos completíssimos de “oi, tudo bem? meu nome é fulano — disse ele que vestia [descrição complexa e minuciosa de uma roupa que não faz diferença nenhuma]” poderiam (e deveriam!) ser descartados. Quando vi que isso era recorrente o livro todo, pulei — literalmente PULEI, fiz o método de “leitura dinâmica”, que eu sou fortemente contra — inúmeras cenas, por vezes capítulos inteiros que eu só passava o olho. E, sinceramente? Não tive prejuízo nenhum.
Preciso ser honesta aqui: eu não suporto instalove. Sou fã de slow burn, gosto do jogo de sedução demorado e sutil, dos olhares inseguros, dos sinais implícitos, da construção de casal profunda — tudo o que não tem nesse livro. Foi fácil, fácil me irritar com o instalove do casal principal, mas achei exageradamente ruim o modo como esse tipo de relação foi inserido nesse livro em específico. Era de uma intensidade absurda antes mesmo do décimo capítulo — e o livro tem 40 — com a Athena tendo um sonho erótico (ênfase no ERÓTICO, bem, bem erótico mesmo) com o Dimitri na segunda vez que viu ele. Dava pra cortar TANTA coisa e desenvolver com MUITO mais cuidado Athena e Dimitri, mesmo que fosse instalove, que fiquei tristíssima com a discrepância entre o modo como me venderam o livro e o modo como foi feito de fato.
Minha esperança era o suspense, o romance policial, a trama toda do Hades. Quebrei a cara. A autora faz do chefe da Athena, Vince, praticamente o vilão de boa parte da história, retratando-o como uma pedra na investigação, não dando os devidos créditos às “mirabolantes descobertas” da Athena. Uma HIPÓTESE sem base NENHUMA que coincidentemente e convenientemente estava certa no final (a da moto) não era para gerar tantos capítulos de angústia na Athena quanto gerou. E todo o discurso dela na reunião? Infantil e raso. Nada digno de uma detetive que, como o próprio Dimitri afirma algumas vezes — mesmo sem conhecer ela e nunca ter tido um diálogo sequer sobre o assunto —, enfrenta casos tão complexos e pesados, tem uma mente brilhante e precisa segurar as pontas do legado da família dela, além de suportar todo o machismo do setor. A própria autora admite as falhas na “descoberta”, antecipando as críticas do Vince, mas só… ignora tudo, passando batido. Reconhecer as falhas no roteiro é essencial para a elaboração de uma história, mas as soluções têm que ser minimamente coerentes, o que não acontece.
O livro é bem óbvio, o que faz da Athena bem burra. Não gosto de mocinhas burras. A escrita não colabora nem um pouco, porque em determinados momentos a Athena faz um paralelo explícito entre Dimitri e Hades e depois fica se questionando quem é o maldito do Hades. Ela LITERALMENTE compara os dois, o tempo todo, por vários parágrafos. A personagem é uma DETETIVE, e só decide ignorar — DE NOVO — tudo. E cria as hipóteses doidas dela como se fosse uma baita de uma descoberta. Além dela, ninguém desconfia do Dimitri, que era um suspeito bem nítido a ser investigado. As investigações são rasas, as hipóteses são fracas, as informações da vida do Dimitri bem desconexas e controversas, com uma riqueza desproporcional nas costas e um passado grotesco. Péssimo suspense, péssimo romance policial.
Fora essa obviedade do “suspense”, a escrita e as notas de rodapé tiram toda a graça de algumas referências que trariam algum tipo de esperteza ao livro. Explicar tanta coisa, mesmo que nas notas de rodapé, num livro que era pra te deixar instigado a acompanhar as descobertas é, falando a verdade, broxante. Não gosto de livros que subestimam a inteligência do leitor, e A Ruína de Hades faz isso em incontáveis momentos.
É louvável que a autora tenha se preocupado em colocar tantos avisos de gatilho no início do livro e em cada capítulo, alertando inúmeras vezes tudo o que o leitor encararia. Mesmo assim, faltou mencionar um importante: PSICOPATIA. O Dimitri/Hades é e age como um psicopata — usando o significado mais amplo e livre possível da palavra, deixando de lado o conceito profundo de estudos psiquiátricos. As descrições gráficas de violência e tortura ocupam capítulos imensos inteiros, com o Hades frequentemente relatando o prazer que sentia na agressividade brutal e crua. Praticamente uma besta selvagem, o personagem se julga detentor do direito de decisão de quem vive e quem morre, quem merece sofrer um fim lento e doloroso e quem merece só algumas “torturinhas” até a morte — com bastante sangue, sempre. Pelo preceito inicial da história e por todas as passagens em que os personagens afirmam que a polícia “não tem coragem” de “punir” os criminosos como Hades faz, acredito que seja uma opinião da própria autora e, com isso, não vou tentar discutir ou argumentar contra a pena de morte, que parece ser a ideia que ela tenta transmitir. Só trago a reflexão se, o que ela está sugerindo, afinal, não seria a mesma coisa que anarquia, barbaridade e desumanidade total, tornando Hades um homem ainda mais detestável e digno de nojo do que os outros que ele executa. Não dá pra romantizar um personagem assim, muito menos um que, antes de comer a Athena, sentia um desejo bizarro e preocupante de matar ela — talvez não tenha sido a melhor das ideias, mas entendi o que a autora quis passar, só ficou mal executado. Queria ter visto a Athena mudando de lado, o que vi no perfil do livro que aconteceria, mesmo receosa com o desenrolar da situação, fora as minhas ressalvas anteriores, mas nunca cheguei nesse ponto.
Eu estava em cerca de 30% do livro quando os personagens transaram oficialmente pela primeira vez. E que capítulo cansativo, viu? Meia hora de capítulo — segundo o relógio do Kindle, considerando a fonte de letra no mínimo, ou seja, pra quem tem problema de miopia deve ficar facilmente mais de uma hora lendo — para uma transa que não fizeram nada demais, só o básico, praticamente sexo baunilha com o adicional das "algemas" mal aproveitadas. E pareciam dois animais, Athena goza não sei quantas milhões de vezes e o Dimitri também, sem pausas, no primeiro contato sexual deles. Quem é que transa assim? Definitivamente não uma detetive que dorme pouquíssimas horas por noite, não tem descanso nenhum e não beija ninguém há não sei quantos meses. Irreal, caricato e desnecessariamente longo, fora os alívios cômicos que mais geram vergonha alheia e uma careta de desconforto pelas falas explicitamente ridículas do que atiçam qualquer vontade do leitor. Fui motivada por uma cena de BDSM que vi a autora promover, mas nunca chegou (depois descobri que estava só no final) e eu não tive muita paciência de chegar até a dita cena, fatigada por todo o resto do livro. Existiu um bom hot no livro, apesar das minhas críticas. O ménage entre Dimitri, Tyler e Pamela foi bem desenvolvido e interessante, o que me agradou, embora meio longo demais, e a alucinação com Athena tenha sido parte do instalove forçadinho. O ménage foi dinâmico, menos intenso, surpreendentemente bem escrito, foi até melhor do que o próprio sexo entre os protagonistas, mesmo com duas chances de fazer direito (dois pov's da mesma cena).
Não foi o pior livro que já li, contudo, e está longe de ser. Em esparsos momentos, a autora consegue construir orações de impacto e frases inteligentes, que se fossem bem mais frequentes, poderiam aumentar uma estrelinha nessa avaliação. Depois que Dimitri começa a ficar obcecado física e romanticamente por Athena, e se ignorarmos todo o instalove apressado em uma semana que tiveram antes, a escrita melhora um pouco. Por esse motivo, acredito que tenha um potencial, ainda que escassamente explorado e desenvolvido. Com treino, amadurecimento, e exercícios de escrita, a autora consegue ir longe, mas não senti que esse livro tenha o que é preciso, ainda.
Não li até o final. Fui até 50%, prometendo pra mim mesma que se não mudasse alguma coisinha sequer nesses pontos que discuti, desistiria do livro. Foi o que aconteceu, e eu tenho minhas dúvidas se os outros 50% seriam revolucionários e eu acabei de perder um livrão. Aposto que não, considerando tudo o que falei aqui e os meus gostos, mas fica aí a possibilidade para quem quiser ler o resto.