Sobre Livros 14/11/2023
Uma prosa poética de cultura japonesa
‘As Últimas Crianças de Tóquio’ é um belíssimo livro de literatura contemporânea japonesa. Descobri-o durante um dos passeios pela Livraria Travessa do Shopping Leblon. Lembro de ler a sinopse e ficar encucado com os impactos da premissa principal do livro. Antecipei sua leitura, porque me inscrevi no Clube de Leitura do Japan House SP há dois meses atrás.
Um breve sinopse: Japão, um futuro esquisito onde idosos vivem por quase todo o sempre e jovens morrem cedo. Nesse cenário, Yoshiro luta com todas suas forças para que seu bisneto, Mumei, sobreviva além da expectativa de vida dos jovens. Acompanhamos seu cotidiano complicado e através dele, vamos descobrindo, de forma difusa, o que aconteceu com o Japão.
O personagem principal, Yoshiro, e sua história são super interessantes. Você quer sempre saber mais como ele terminou sozinho com o bisneto e o que ele pensa sobre a situação atual do Japão. Essas reflexões pessoais dele ajudam a construir, além da história, um juízo de valor sobre tudo o que está acontecendo no mundo. Escrevo mundo aqui, mas o livro fala muito pouco de outros lugares que não sejam o Japão, o que não impacta de forma alguma a especulação distópica.
E a imortalidade? Será que é bom viver pra sempre? No mundo de ‘As Últimas Crianças de Tóquio’, parece que não. Viver para sempre pode resultar na perda de perspectiva e propósito a nível individual. As pessoas podem acabar se dedicando excessivamente ao trabalho e sua individualidade pode se resumir apenas ao acúmulo de anos vividos, em vez de um conjunto diversificado de gostos e preferências. Além disso, a combinação de uma vida eterna com a alta taxa de mortalidade entre os jovens tem consequências negativas para a sociedade. Isso leva à falta de renovação, tornando a sociedade cada vez mais retrógrada e conservadora.
Além da imortalidade, o livro traz temas como:
- Tecnologia e Meio Ambiente - ele traz uma visão super pessimista da tecnologia e dos seus impactos ambientais. Foi alguma coisa tecnológica, nuclear, atômica, humana que tornou o centro de Tóquio inabitável. Foi efeito das ações humanas a extinção de quase todos os animais. Foi a tecnologia que nos adoeceu de males modernos como a Síndrome do Smartphone (acho que já começamos a viver um pouco disso). Por causa de tudo isso, eles percebem que a melhor forma de viver é abandonando a maior parte das tecnologias.
- Política - ele traz novamente uma visão pessimista (ou realista) de uma política em que poucos governam para si, de forma não transparente, e para oprimir a maioria da população, que segue ignorante de suas leis. Lá, as leis mudam a qualquer momento e você não sabe nem quem, nem o que, nem o porquê delas terem mudado. Num mundo de leis aleatórias e arbitrárias, a melhor forma de viver é contido e com medo.
- Questões de Gênero - para mim, uma das melhores passagens do livro, apesar de curta, é quando ele fala como foi resolvido o problema da desigualdade entre homens e mulheres. Ele explica que sociedades misóginas foram punidas com uma característica nova: as pessoas transmutam de gênero aleatoriamente várias vezes durante a vida. Assim, o homem, por medo de acordar mulher, promove uma sociedade mais igualitária.
O livro realmente é muito bonito na história, na mensagem e na linguagem. Uma prosa metafórica, super poética, que não afirma, mas sugere e, na sugestão, te captura para reflexões super profundas sobre individualidade, nossa relação com o trabalho e com a família e nosso impacto na natureza.
Recomendo esse livro para quem gosta de ler ficção especulativa, quem quer conhecer outras culturas através da literatura, quem se interessa por refletir sobre o impacto da ação do homem na natureza e para quem gosta de poesia e tem dificuldade de encontrar uma prosa.
Minha nota para ele é 4/5, porque, às vezes, me sentia perdido com a linguagem sugestiva. Entendo a estratégia adotada, inclusive gosto dela, mas acho que meu lado engenheiro pede um pouco mais de denotação. De toda forma, recomendo muito a leitura!
Se quiser saber mais da nossa opinião sobre ‘As Últimas Crianças de Tóquio, veja nosso vídeo de resenha.
site: https://youtu.be/TWFQN3DM_hE