Spy Books Brasil 03/02/2022
Mostre, em vez de contar!
Uma das regras de ouro da cartilha moderna para escritores de ficção reza o seguinte mandamento: mostre, em vez de contar.
Ela se baseia na crença de que os longos anos de exposição das pessoas aos filmes mudaram a forma como percebemos a narrativa. Nessa compreensão, os leitores modernos precisam de ação contínua. E tudo o que deve ser dito, precisa se encaixar em cenas com movimento. Ou nem precisam ser ditas.
Em Estado de Alerta, David Klass leva essa regra às últimas consequências. Autor consagrado de livros para jovens adultos e roteirista veterano de Hollywood (link para o perfil de Klass no final deste texto), ele domina completamente a técnica do show, don’t tell.
A trama – Cansado de defender pacificamente a causa ambiental, um ativista parte para a ação e começa a explodir alvos estratégicos nos Estados Unidos.
O objetivo é chamar a atenção das autoridades para a urgência da mudança climática. O ativista rapidamente passa a ser chamado pela mídia de Homem Verde. Ele ganha a simpatia de milhares de pessoas preocupadas com o futuro do planeta. Os ataques, porém, têm um efeito colateral: a morte de pessoas inocentes e trabalhadores que se encontram nos locais atingidos. O FBI precisa detê-lo e monta uma força-tarefa para caçar o Homem Verde.
O ecoterrorista, porém, é expert em apagar seus rastros. Mesmo com 300 homens empenhados nas buscas, o FBI está completamente no escuro após cinco ataques. Até que um jovem agente chamado Tom Smith entra para o time e demonstra uma capacidade única de pensar como o seu oponente.
As personagens – Uma das grandes qualidades do livro é a forma com Klass constrói seus personagens. Não existe aquela divisão maniqueísta entre bem e mal, com vilões absolutamente intragáveis e mocinhos apaixonantes.
O Homem Verde, por exemplo, é um tipo bastante complexo que vive dividido entre o peso da missão que se propôs a cumprir – basicamente, despertar a atenção da humanidade para a destruição do planeta – e o custo em vidas humanas de seus ataques.
Quando o livro começa, ele já destruiu cinco alvos. O primeiro capítulo narra justamente o sexto ataque, que destrói uma represa. No total, com as novas vítimas da explosão da represa, ele causou a morte de 40 pessoas, incluindo crianças.
Sobre o Homem Verde, sabemos no início que ele tem uma família no estado do Michigan. Esposa, dois filhos, uma casa altamente tecnológica construída por ele mesmo. Com esses dados, podemos supor que se trata de alguém riquíssimo e com habilidades altamente especializadas em engenharia, já que ele constrói sozinho todos os equipamentos e também formula os explosivos que usa em seus ataques.
A princípio achei meio fantasioso e me perguntei onde o cara arrumava tanto dinheiro? Os equipamentos usados por ele são caríssimos e, aparentemente, ele não trabalha. Mas o autor vai preenchendo essas lacunas no decorrer do livro e posso afirmar, sem dar spoilers, que tudo se encaixa e faz sentido.
O outro personagem central é o agente Tom Smith. Jovem brilhante, formado em tecnologia nas melhores universidades da Costa Oeste dos Estados Unidos, ele decide entrar para o FBI porque tem questões mal resolvidas com o pai, um tipo durão, ex-capitão dos Mariners e agente aposentado do FBI. Graças à esse laço de parentesco, Smith acaba sendo trazido para o núcleo central da força-tarefa. É ele que, com suas ideias inovadoras, vai tirar a investigação da lama.
Assim como o Homem Verde, Smith também é um personagem complexo, que se vê dividido entre o reconhecimento da importância da causa do Homem Verde e a sua obrigação como agente federal de detê-lo. Smith entende que as mortes causadas pelos ataques são inaceitáveis, mas acredita nas razões que movem o Homem Verde. A tudo isso, se mistura um certo complexo em relação ao pai, que sempre o rejeitou porque ele não se encaixava no perfil de garoto durão que ele desejava para o filho.
Uma terceira personagem importante, embora secundária, é Ellen Douglas. Mulher negra, professora na Universidade de Columbia, ativista ambiental e fundadora de uma ONG chamada Green Center, Ellen vive em Nova York e é mãe solo de uma adolescente chamada Julie. Logo no início do livro vamos descobrir que ela tem uma ligação antiga com o Homem Verde, a quem ajuda clandestinamente enviando os manifestos dele aos meios de comunicação após cada ataque.
Deslizes e gorduras – Embora seja impecável na maior parte do tempo, o livro tem alguns deslizes e gorduras. São pequenos detalhes que não precisariam estar lá, ou que abusam da inverossimilhança, embora não cheguem a atrapalhar a leitura.
Falar sobre eles, porém, resultará em alguns spoilers menores, e em pelo menos um spoiler gigantesco. Então, se você quiser continuar lendo a resenha, vá até o blog Spy Books Brasil. Lá você tem a opção de terminar a leitura sem os spoilers, encontra o link para o texto com spoilers, caso já tenha lido a o livro, e ainda pode conferir um perfil do autor, David Klass, onde vai entender a origem de algumas referências feitas no livro. Visite o blog. Espero você por lá.
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