jiangslore 30/03/2024
[4/5]
Ao ler "Lessons in Chemistry", considerei o livro muito mais "individual" do que esperava que ele fosse. Na minha opinião, imaginar uma história que acompanha uma mulher que sofre com o machismo de sua sociedade - em especial com aquele de seu local de trabalho - e acaba virando um ícone que inspira outras mulheres a fazer uma "revolução" significaria imaginar um livro muito mais consciente e aprofundado sobre questões coletivas do que este livro é. Eu não diria que é um livro sobre mulheres em STEM, sobre criar uma revolução com um programa de TV, sobre praticar esportes ou sobre se apaixonar e construir uma família - é sobre Elizabeth Zott, uma mulher que fez todas essas coisas.
Acredito que apontar isso é importante não necessariamente para criticar o livro (até porque a proposta dele foi muito bem executada), mas para entender o modo de abordagem e desenvolvimento de diversas coisas nele - desde a troca de perspectivas para diferentes personagens que, de uma forma ou de outra, possuem alguma relevância na vida de Elizabeth, até à conclusão (um pouco morna demais) do enredo. Claro, questões coletivas são mencionadas em alguns pontos do livro, mas Elizabeth e sua história de vidam que são as forças que realmente movem a história.
Nesse contexto, penso que o desenvolvimento de Elizabeth definitivamente foi um ponto positivo em "Lessons in Chemistry". Acho que alguns leitores considerá-la uma personagem anacrônica, mas eu não penso assim. Claro, ela tem uma visão crítica da sociedade em que está inserida, mas também é possível perceber facilmente que ela é um produto do mundo em que vive - dito de outro modo, é claro que Elizabeth possui uma natureza questionadora, mas seus questionamentos com certeza são derivados de seu contexto. Por isso, tirando algumas cenas que considerei "motivacionais" de um modo superficial demais, Elizabeth foi uma personagem que me agradou muito. Ela é extremamente coerente por todo o decorrer da história, e, embora ela possua mais qualidades do que uma pessoa considerada "na média", ela tinha defeitos que foram bem desenvolvidos e formaram uma parte importante do enredo.
Além disso, os personagens secundários também são ótimos. Apesar de não serem o foco da história como um todo, cada um deles teve um momento para que o leitor tivesse acesso à sua perspectiva e suas características. Acredito que muitos deles foram a verdadeira fonte de alegria de "Lessons in Chemistry". Há uma felicidade tão genuína em diversas partes do enredo, e, sinceramente, penso que não teria sido assim se Elizabeth não tivesse encontrado alguns seres (humanos ou não) incríveis durante sua vida. Para mim, isso fez com que o livro tivesse uma lição muito interessante (e inesperada): sim, realmente, não é nossa imaginação - a maioria das pessoas não é lá essas coisas. Mas também há indivíduos incríveis no mundo, e não é impossível encontrá-los. Por fim, o fato de a construção de uma família improvável em torno da protagonista ser um ponto tão importante do enredo é mais um indício que indica que seu foco é a história de vida de uma mulher específica.
O enredo, em geral, também foi muito divertido. Não achei o livro lento, apesar de demorar muito para que o programa de TV - que penso ser o carro-chefe da divulgação do livro - tornar-se uma parte importante da história. Eu achei a vida de Elizabeth muito interessante, e o estilo fluido e dinâmico de escrita contribuiu demais para que eu ficasse entretida por boa parte do livro. No entanto, o clímax e o final, na minha opinião, não trouxeram uma sensação de "clímax e final" - comparados ao resto do livro, foram bem menos dinâmicos e interessantes. Acredito que as escolhas da autora foram coerentes - realmente, para a vida de Elizabeth, fazia sentido que o livro terminasse ali, com a resolução de questões que foram muito importantes para ela. Mas, talvez por terem sido um pouco convenientes, essas soluções não foram tão satisfatórias assim.
Algo que pensei muito enquanto lia é sobre como é fácil atribuir ideias às coisas - e ter essa noção é importante, porque é isso que fazem com gênero. Por isso, foi muito interessante ver algo que é considerado feminino ser vinculado a uma atividade científica. Mas também achei fundamental perceber essa vinculação de ideias à coisas porque, no final das contas, foi uma vinculação dessa natureza que formou minha opinião final sobre a obra (Elizabeth diria que esse é o problema da ficção, mas eu discordo). Isso porque, do mesmo modo que "Supper at Six" é um programa de TV para a "average Jane" (sim, Elizabeth traz um ponto importantíssimo de que não há nada mediano sobre donas de casa, mas vamos considerar o marketing do programa por uns instantes), "Lessons in Chemistry" também é um livro para a "average Jane", em termos de conhecimento sobre questões sociais (e, principalmente, questões de gênero)
Claro, essa característica traz consequências positivas e negativas. Histórias com um escopo mais amplo, que funcionam como "portas de entrada" para questões sociais têm seu valor - principalmente quando são bem desenvolvidas e divertidas -, mas se você já passou um pouco da porta, temo que há alguns pontos que são são superficiais demais. Além disso, dá para perceber uma visão branca e liberal do feminismo no livro. Dentro do contexto, essa perspectiva funciona, e é mais um indício de que Elizabeth pode ter uma visão crítica, mas não é uma personagem irreal ou anacrônica. Mas que para nós, leitores do século XXI, não deixa de ser uma visão batida e limitada. Não penso que dá para dizer que o livro é “ruim” em razão disso, porque ele ainda possui muitas virtudes, em especial pela forma divertida e dinâmica que é contado.
Em suma, gostei do livro. Se ele for pensado simplesmente como a história de vida de alguém, definitivamente é uma história proveitosa, divertida, e, apesar de todas as dificuldades, cheia de alegria e esperança. Elizabeth é uma personagem que realmente me conquistou, e acho impossível pensar nela - e em todas as pessoas (e cachorro) que a acompanham - sem uma pontada de carinho. Por isso, mesmo diante dos pontos que considerei negativos, recomendo a leitura.