A Segunda Espada: Uma História de Maio

A Segunda Espada: Uma História de Maio Peter Handke




Resenhas - A Segunda Espada: Uma História de Maio


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Val 08/02/2023

A Segunda Espada: uma história de maio.
Numa narrativa alucinante e riquíssima em referências pessoais, num texto claro e brilhante, o escritor pós-modernista austríaco de descendência eslovena Peter Handke, Prêmio Nobel de Literatura de 2019, leva sua obra A Segunda Espada – uma história de maio a uma das mais brilhantes narrativas do individualismo e da neurose solitária, enquanto, ao descrever seu mundo, o desconstrói através das palavras.
Num texto que inicialmente parece ir tornando-se confuso, aos ajustes primorosos de Handke - um mestre das palavras - vão encaixando-se as situações, os lugares, o tempo, os personagens e os questionamentos. Trechos lembram até divagações de mentes de idosos em suas indefectíveis reminiscências.
Na primeira frase da obra, Handke consegue apreender toda a sensação permanente de solidão que transmite o protagonista, porquanto só ele tem em seu âmago ferido os motivos da demanda: “Então, essa é a face de um vingador!”, quando se olhou no espelho pela manhã. E o motivo do vingador é a disseminação de uma mentira.
Como em outras obras atuais, mais uma vez apresenta-se aqui uma crítica de um literato ao sensacionalismo jornalístico de uma imprensa que apenas procura seus interesses militantes e comerciais sem escrúpulos, deixando de prestar sua principal função que é a de informar a verdade. E as consequências são inúmeras e muitas vezes fatais, como é o caso desta história. E aqui se torna o fulcro do enredo, como numa caixa de surpresas.
Sua crítica política e pregação pela liberdade são sutis: “Mas há uma coisa que eu sei e sempre soube: quero levar uma vida cavalheiresca. E isso é algo que aqueles lá, do outro lado das montanhas não permitem, sequer conhecem algo assim, não têm a menor ideia do que seja une vie chevaleresque. Libertar-se – mas como? Livrar-se dos assassinos dos andares superiores e ingressar no mundo dos cavalheiros – mas como?”
A meta na vida presente do personagem vem de uma inspiração bíblica de longa data, segundo Handke, onde Deus pede vingança para si e para seu povo, concedendo-lhe, assim, o direito – como membro do seu povo – de também pleitear vingança. E, portanto, o autor explora a subjetividade do personagem ao extremo. As divagações pessoais e até filosóficas inundam o texto, a partir de reminiscências desde a infância.
Assim, encontramos aqui mais um grande mestre na digressão no enredo, como o fizeram consagrados nomes (citados por ele), de Homero a Tolstoi, passando por Cervantes. E ao analisar profundamente o sentimento das pessoas que viajavam com o protagonista em um bonde, Handke até transita pelo surrealismo, descrevendo um leitor com o livro de ponta-cabeça e uma pessoa falando ininterruptamente ao celular inoperante, e o comportamento controverso de outros passageiros no veículo. E, de forma recorrente e inteligente, constrói uma história divagando e tergiversando.
Então, Handke nos traz a história de um homem solitário com uma meta na vida. Um solitário que convive com outros na mesma condição. E cada encontro é uma história, um pensamento, uma reflexão. E esta, corroborada por sua qualidade literária e estilo original, é a condição do livro. Uma obra forte, sucinta e sempre ambivalente. Essa solidão – imensa – nos é relatada nas diversidades do cotidiano, onde Handke chega ao extremo de divagar, séria e filosoficamente, sobre a solidão de insetos, animais e até atletas, comparando-os, inclusive, com marionetes. Como ele escreve: “E todos pareciam ocupados em seus silêncios”.
Ao final, Handke tece uma eloquente narrativa da solidão sentida, onde se á vulnerável e ao mesmo tempo invisível. Aquele despercebido das multidões só é notado e valorizado pelo próprio protagonista, segundo se subentende, sem mágoas. Condição que é difícil de aceitar, sem condicionar-se ao desprezível, ao frágil e ao insignificante. No entanto, enquanto todos passam precipitados em seus egos e devaneios, ele estava feliz, pois era o único a caminhar sob um belíssimo céu azul.
A tudo isso, some-se a permanente expectativa pelo deslanche e pelo desfecho da história, deixando, quem se deleita com um bom texto literário, preso atentamente à leitura.
Este é um livro surpreendente, mais que recomendado para quem procura deleite literário e não apenas uma história bem escrita. Uma obra fadada a ser um clássico.
Valdemir Martins
08.02.2023


site: https://contracapaladob.blogspot.com/
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