André Catta Preta 30/01/2024
Esse aqui eu li em uma sentada, coisa que raramente eu faço. Queria que isso significasse que eu gostei, mas não foi o caso.
A experiência de Confinada é conflitante. A trama, o desenho e toda a ?mise en scene? são escolhidas para reforçar o realismo da obra, mas os diálogos são de uma artificialidade tamanha que meio que estragam tudo. O resultado é uma dissonância pra lá de estranha entre o que você observa e o que você lê.
Todos - absolutamente todos - os personagens brancos são extremamente e abertamente racistas, além de brutalmente egoístas. E eles não são racistas em um sentido ?estrutural?, que se observa na nuance, mas sim em um sentido recreativo que está sempre na cara. Não há uma linha sequer de diálogo do núcleo branco privilegiado que deixe de conter uma denotação explicitamente racista. O didatismo e o panfletário se misturam em algo que te tira da imersão, e a suspensão de descrença acaba tendo que ser muito pesada para levar essa trama adiante.
Os personagens não brancos, por outro lado, são em maioria solidários e progressistas, de maneira não natural. A obra cai numa armadilha de, alem de ser maniqueísta, ignorar que o Brasil é um país complexo. Toda a população negra desse quadrinho é retratada como muito versada em ideias identitárias e ?consciente de classe?. Concorde ou não, há de se admitir que o Brasil é um pais majoritariamente conservador e que isso permeia todos os extratos sociais, inclusive as periferias retratadas no quadrinho. Não há um único personagem do núcleo da Ju que seja conservador ou tenha a mínima nuance de ter votado do Bolsonaro (por mais superficial que seja o tratamento do tema), o que torna a Fran, a vilã, a única personagem com um mínimo de nuance.
Falta, enfim, justamente isso: tratar com nuance, trabalhar o racismo da entrelinha. Em uma obra com tanto uso da expressão ?essa gente?, há poucos momentos em que é perceptível o racismo no não dito, o que entendo que poderia ser um grande ponto forte da obra.
Por fim, meu entendimento: compreendo que essa obra não tenha sido escrita para um público alvo como o meu, branco e privilegiado que sou. Com certeza ela toca as pessoas de maneiras diferentes, e recortes sociais mudam tudo. Mas considerando que ela se tornou mainstream e que passou a ser acessada por diferentes públicos, acaba sendo submetido também a um escrutínio geral e a uma avaliação narrativa mais genérica como a minha. Nesse sentido, Confinada é uma decepção por não explorar o potencial narrativo que uma trama tão única poderia proporcionar. O que poderia ser um bom estudo de caso se torna uma crítica tão superficial quanto vazia, afinal não provoca desconforto em quem lê: aqueles que o quadrinho ridiculariza já não teriam interesse nele. A caricatura, aqui, funciona mais como moinho de vento do que como ferramenta narrativa de enquadramento de um real antagonista.