Mary Manzolli 31/01/2023
Uma longa diáspora cubana que está longe de terminar.
Antes de iniciar esta resenha é preciso ambientar algumas pessoas sobre o autor, pois compreender a sua realidade é importante para evitarmos julgamentos baseados numa versão romantizada demais ou demonizada demais da vida cubana, a depender do espectro político em que se encontre. Leonardo Padura é um escritor cubano, que vive na Ilha, na mesma casa em que nasceu e a partir das suas vivências e dos contatos com as pessoas de lá, escreve estórias e cria seus personagens, mas ao contrário do que muitas pessoas possam pensar, não é um ferrenho defensor do regime e em seus livros, tece muitas críticas às repressões impostas pela revolução, embora sem jamais levantar bandeira e sempre preservando os valores de uma nação que vive e se mantém forte em seus propósitos, apesar de todos os pesares.
Em Como Poeira ao Vento, a estória gira em torno de um pequeno grupo de amigos, que se conhecem ainda na juventude e todos os encontros, desencontros, amores, rivalidades, angustias e dissabores que se passam com eles até os dias atuais, quando já se encontram na meia idade. O livro começa com Adela, uma jovem americana que se envolve com o balseiro Marcos ( balseiros são os cubanos que chegam ilegalmente aos Estados Unidos) e ao deparar-se com uma foto antiga no facebook da mãe do namorado, é levada a confrontar o seu passado e a sua própria história familiar.
Conforme me aprofundava na narrativa, me dei conta que existem, ao menos, duas formas diferentes de encarar essa leitura: basta mergulhar na trama de mistério, suspense psicológico, reviravoltas, crimes, tráficos e traições que já seria o suficiente para uma boa experiência literária, mas aqueles que aproveitarem essas 540 páginas para se libertarem de visões deturpadas e se permitirem realizar uma imersão da realidade de Cuba, com certeza, absorverão informações importantes e que poderão mudar muitas certezas a respeito das condições de vida neste país que desperta tanta curiosidade e sentimentos conflitantes nas pessoas.
Eu mesma, que já estive em Cuba, e vi de perto um pouco das vivências contadas no livro, me senti, por muitas vezes, incomodada com o brusco rompimento das minhas próprias verdades, no entanto me lembrei de uma entrevista que li com Padura, alguns anos antes da minha viagem que dizia assim: "Fora de Cuba, da perspectiva política e ideológica que se imaginou, há duas tendências: a idealização de um paraíso socialista e a condenação de um inferno comunista. E isso corresponde mais a certos interesses do que à realidade propriamente dita. Porque Cuba não é um paraíso socialista nem um inferno comunista. É uma espécie de purgatório onde as coisas podem ser um pouco mais normais".
Por tratar-se de uma estória que atravessa décadas, em que jovens cheios de esperança em fazer da Ilha um lugar prospero, justo e igualitário para todos, vivem as frustrações de tantas crises, algumas vezes muito dolorosas como o fim da União Soviética (principal parceiro econômico do país em sua defesa ao embargo americano), Como Poeira ao Vento traz à luz esclarecimentos interessantes e muito realistas da vida em Cuba sob o regime comunista e de como qualquer julgamento pode ser equivocado dada a complexidade desta realidade que poucos entendem, inclusive nas questões que levam muitas pessoas a partirem para viver como refugiados em outros países, em diferentes condições e é nessa seara do abandono de ideais, da desistência das suas vidas para rumar ao incerto é onde, na minha visão, nos surpreendemos ainda mais, já que nem todos aqueles que optam pelo desenraizamento, o fazem por discordâncias políticas com o regime socialista cubano. Muitas vezes o que os leva a buscarem uma nova identidade e outra cultura é a triste, perversa a consciente falta de melhores condições de exercerem suas profissões em razão do embargo econômico e, neste contexto, não é muito diferente do que temos visto no Brasil atual, em que profissionais tem partido para outros lugares buscando alternativas mais dignas.
Enfim, um romance de narrativa envolvente em que nos divertimos e aprendemos sobre o complexo país e as vitórias e misérias de uma diáspora Cubana que se prolonga desde os anos 50, mas sem esperar discursos binários, perpetuados pela mídia, de bem e mal, bom e ruim, podendo ser uma grande decepção para quem busca o maniqueísmo das visões simplistas nos empurradas por mais de meio século, afinal, Cuba é feita de gente que, assim como os personagens de Padura, se diferenciam em seus sentimentos, ideias e convicções e sempre haverá, como em muitos outros lugares do mundo, os que se foram para nunca mais; os que sonham, um dia, poder voltar; aqueles que retornam e os que permanecem e resistem "hasta la victoria final"!