Luci Eclipsada 30/12/2021
Mais, porém não do mesmo
A literatura constantemente costuma lançar mão de situações reais para brindar os leitores, quase sempre pela criatividade dos autores, com histórias vívidas e impactantes. Nisso, os chamados romances históricos vêm há muito proporcionando entretenimento e informação; assim, com a quantidade exorbitante de livros com histórias baseadas em fatos por vezes temos muito mais do mesmo, o que pode levar ao desgaste dessa vertente narrativa, especialmente com tramas que se passam no período entreguerras. Dessa forma, para sair um pouco disso, uma boa pedida pode ser a leitura do livro de estreia da jornalista e correspondente internacional Ilze Scamparini, o “Atirem direto no meu coração” (Harper Collins, 2021 – 304 pág.).
A trama, também permeada pelo clima catastrófico de uma guerra, tem como pano de fundo o conflito de origem étnica, cultural e territorial que desencadeou, em 1999, a chamada Guerra do Kosovo.
Por meio da escrita ágil e fluida, muito característica dos jornalistas, Ilze Scamparini nos apresenta a história de sua protagonista, a sérvia Yana Milinić, que resolve entrar para a guerra alistando-se como miliciana no grupo Raposa Vermelha por motivo muito mais escuso do que meramente a defesa da pátria. Consequentemente, vamos acompanhando o dia a dia de Yana rumo ao desconhecido ao mesmo tempo em que ela passa a viver sempre na expectativa de finalmente ver realizado seu objetivo ali naquela guerra.
A história se passa em duas linhas temporais, uma em que a protagonista vivencia os horrores da Guerra do Kosovo não somente ao enfrentar os seus inimigos, guerrilheiros kosovares, mas lidando com os seus companheiros de combate, sendo moldada pela guerra e até mesmo se questionando sobre sua real utilidade; e a outra em dias atuais quando acompanhamos uma jornalista que investiga um dos conflitos bélicos ainda recente no imaginário coletivo.
O livro, em alguns momentos, se torna didático ao retratar como foi que a guerra eclodiu, algo compreensível para situar o leitor quanto aos fatos e mostrar, ainda que não se aprofundando muito, as consequências do conflito. Temos também cenas de violência que dão a narrativa uma pegada mais dramática e é justamente aí que o leitor acostumado as histórias do gênero pode se incomodar porque parece existir um apelo, mesmo que não tão explicito, ao emocional, algo que é totalmente dispensável em histórias de guerra porque estas já retratam situações extremas e naturalmente tristes que não precisam do apelo ao melodrama e ao sentimentalismo, pois quase sempre ficam no lugar comum e até contribuem para a queda no ritmo de leitura, principalmente, neste caso do livro, quando muitas páginas são dedicadas a transformar a protagonista numa espécie de mártir sempre entre o dever que se espera de alguém que serve em uma guerra e a moral por trás de cada decisão e atitude tomada.
Em todo caso, vale a pena prestigiar a história que é desenvolvida a partir de uma situação real contada pelo ponto de vista de alguém que definitivamente não saiu vitorioso do conflito, o que é um ponto alto da história, valendo, portanto, sua leitura.