llistoiévski 06/03/2024
A arte travesti de São Paulo: da prostituição à literatura
Nessa mistura biográfica/narrativa, as rainhas travestis que dominaram as noites de São Paulo, entre 1970 até 2010, podem ser descritas em diversas maneiras como agressivas, caridosas, cruéis cafetinas e amigas leais. Contudo, como poderíamos descobrir esse submundo do qual a comunidade lgbt+ sobrevivia, sobretudo ainda mais travestis e transsexuais? Com tão pouco acervo desse mundo tão descriminado. É exatamente nesse ponto em que se começa o livro:
"As três são vítimas do
que hoje se chama violência arquival ? o apagamento da história de
pessoas que viveram às margens da sociedade, o que torna impossível
contar a biografia delas com o mesmo embasamento factual que teriam qualquer outra categoria de ser humano
considerada mais ?digna? de documentação. [....] Toda história tem muitos lados. Este é o delas. "
As rainhas: Jacqueline BlaBlaBla, Andréa de Mayo e Cristiane Jordan, têm suas histórias relatadas ? seja por pessoas íntimas até pelo bate-boca da rua ? e vão além do imaginário social do que é "o Ser travesti", expondo de que a interpelação da linguagem ? ascenção do pajubá ? e a ausência da fala muitas vezes forma a identidade e as dificuldades doq essas rainhas e suas filhas passam. Ademais podemos retirar isso tudo de um olhar mais empático (ainda reconhecendo todas as atrocidades feitas pelas três protagonistas) posto que corpos dissidentes, isto é aqueles indivíduos que fogem tanto da relação binarista quanto da sexualidade (desafiando toda uma estrutura de poder e dominância religiosa e política) estão expostas aos mais diversos tipos de violência e marginalização.
É por meio dessa inversão de óptica que transforma a linguagem desse livro tão desconfortável, graças ao tema fraturante do sexo sobretudo a prostituição, mas necessária de ser lida. Precisamos enxergar esta leitura como uma reflexão menos moralista e mais ética, humana, assim, primeiramente, conhecendo quem são essas pessoas e motivo/causa do trabalho imposto ao qual estão sujeitas a fim de conseguir sobreviver. Apenas dessa maneira que conseguiremos alcançar soluções práticas, enxergando esse tabu e acolhendo as dores dessas travestis e transsexuais, para enfim tornar seu trabalho mais digno e humano.
Por isso, nessa obra As rainhas da Noite será espetacular, pelo menos pra mim, em qualquer tempo, época ou século. Através da transcendência dos temas abordados chegamo na importante materialidade histórica contida nessa pesquisa.