Carla Verçoza 05/06/2022
A plenitude do amor ao próximo é simplesmente ser capaz de perguntar: "O que você está enfrentando?". Simone Weil
Eu simplesmente adoro a escrita da Sigrid Nunez. Assim como no livro anterior, "O Amigo", Sigrid escreve de forma simples, mas muito inteligente e bem construída. É o tipo de livro que não dá vontade de parar a leitura.
"É um paradoxo do qual me dei conta, disse ela. Sei que estou morrendo, mas, quando fico aqui pensando, sobretudo à noite, muitas vezes é como se eu tivesse todo o tempo do mundo."
Em "O que você está enfrentando", a protagonista está lidando com amiga que tem um câncer fatal. Ao mesmo tempo aproveita apresenta outras personagens, aproveitando para refletir sobre como todos sempre estamos passando por algo. A empatia é algo muito presente aqui.
"Você quer perdoar tudo, disse minha amiga, e deve perdoar tudo. Mas descobre que não pode perdoar algumas coisas, nem mesmo quando sabe que está morrendo. E então aquilo se torna uma ferida aberta, disse ela: a incapacidade de perdoar."
O livro trata sobre temas difíceis como morte, suicídio, meio ambiente, amizade, empatia. Já no início há uma palestra realista e incômoda de um ex-namorado sobre como estamos caminhando para o fim, pelas mudanças climáticas, fazendo um paralelo sobre esse caminho para a morte que escolhemos como humanidade, com a situação da amiga que também está próxima da morte por causa do câncer.
A autora escreve como em um fluxo, com diversas referências literárias, o que eu adoro.
"Memória. Precisamos de outra palavra para descrever a maneira como vemos os eventos passados que ainda estão vivos em nós, pensou Graham Greene. De acordo. De acordo também com Kafka. E, ao mesmo tempo, com Camus: O sentido literal da vida é tudo aquilo que você faz que o impeça de se matar."
"Qual você acha que é o sentido da sua vida? “A família.” “O amor.” “Fazer a coisa certa.” “Ser uma boa pessoa.” “Manter-se positivo e seguir seu sonho.” O sentido da vida é que ela termina. Claro que só um escritor poderia ter respondido isso. Claro que esse escritor só poderia ter sido Kafka."
A sensibilidade e verdade com que a Sigrid escreve sobre o câncer é reconfortante, longe de todo romantismo piegas que existe quase sempre quando se trata desse assunto. Recomendo muito e espero que mais coisas dela sejam lançadas por aqui.
"É assim que ocorre com as pessoas, ela me diz agora. Não importa o que aconteça, elas querem que você continue lutando. É assim que fomos ensinados a ver o câncer: uma luta entre o paciente e a doença. Ou seja, entre o bem e o mal. Existe uma maneira certa e uma maneira errada de agir. Um jeito forte e um jeito fraco. O caminho do guerreiro e o caminho do desistente. Se você sobreviver, é um herói. Se você perder, bem, talvez não tenha lutado o suficiente."
"A única maneira como as pessoas parecem capazes de lidar com essa doença, diz, é fazendo dela uma jornada de herói. Sobreviventes são heróis, a menos que sejam crianças; nesse caso, são super-heróis; e até mesmo médicos, só dedicados a fazer a [*****] do seu trabalho, estão tomando medidas heroicas. Mas por que o câncer deve ser algum tipo de teste de coragem de uma pessoa?"
"Não há quase nada que alguém tenha me falado que não fosse alguma banalidade ou clichê."
"Quando Bachmann, que desde cedo era reconhecida por sua poesia, passou a publicar contos, eles foram rejeitados pelos críticos como sendo Frauengeschichten, histórias sobre assuntos banais e insignificantes, preocupações femininas de possível interesse apenas para outras mulheres. (A própria Bachmann inicialmente imaginou o livro como uma espécie de homenagem às mulheres de sua Áustria natal.) Mais ou menos na mesma época em que a coletânea de Bachmann foi publicada, Elizabeth Hardwick, em um romance em andamento, escreveu: Você conhece uma mulher feliz?"
""Três caminhos para o lago", conto de Bachman (...), publicada em 1972, um ano antes de ela morrer em decorrência das queimaduras sofridas em um incêndio. Cinco contos. Cinco mulheres, cada uma delas padecendo de alguma forma de perturbação emocional, cada uma delas se sentindo aprisionada, isolada, ansiosa e confusa em relação ao seu lugar na sociedade patriarcal e lutando por uma linguagem que expresse o que está enfrentando. George Balanchine disse: Se você puser um grupo de homens no palco, terá um grupo de homens, mas, se puser um grupo de mulheres, terá o mundo inteiro. Se você puser um grupo de mulheres em um livro, terá “ficção feminina”. E ele será ignorado por quase todos os leitores do sexo masculino, bem como por não poucas leitoras."
"Como a afirmação de Angela Carter de que, enquanto atrás de cada grande homem há uma mulher dedicada à grandeza dele, atrás de cada grande mulher está um homem dedicado a derrubá-la."