Brenda @caminhanteliterario 05/06/2024Que viagem que é esse livro. Fico me perguntando da onde uma pessoa tira uma ideia dessa. Refletir sobre a nossa existência parece algo natural aos seres humanos, mas criar um contexto em que se leve isso ao extremo, em que se tira toda uma noção de passado e qualquer base de normalidade é um conceito interessante demais.
Acho que o maior objetivo é discutir o que define nossa humanidade. A personagem sem nome, mesmo sendo tão humana quanto as outras 39 ou comos o guardas, não se sentia pertencente a nenhum desses dois grupos. Como se ela fosse uma espécie completamente diferente por te uma base (ou falta dela) tão distante das demais. Em um momento ela se pergunta se só defecar sem que niguém veja já a tornaria humana, já eu isso parece tão relevante pra dignidade das outras mulheres, enquanto era tão natural a ela.
E o mais interessante é que apesar dessa desconexão com todo o resto, em que o absurdo sempre foi o seu normal, os sentimentos pelos quais a protagonista se debruça são os mesmo inerentes a qualquer ser pensante. Principalmente quanto falamos de propósito. Ela experimenta a puberdade sem entendê-la, e mesmo q as outras não veja sentido em explicar, saber por saber já é algo que solidifica sua existência. E isso fica evidente quando ela começa a ter seus segredos, ou quando passa a encarar o guarda. O tal poder do conhecimento.
Outra coisa muito relevante que é tirada delas é o a noção de tempo, e nesse ponto a personagem se torna tão importante e começa a trazer uma nova perspectiva a outras, tanto quando começa a desenvolver um metódo de contagem, como quanto ao seu envelhecimento ser uma evidência clara da passagem dos anos. A percepção do avanço do tempo deveria ser a garantia que a vida foi vivida, mas o que significa viver de verdade?
E de repente elas se veem livres. Parece a solução pra tudo, mas é chocante se dar conta que estão tão presas fora quanto dentro. A descoberta dos outros bunkeres traz uma desesperança de um passado e uma sociedade que nunca vão voltar a ter, nem parecido. E a partir dai uma nova dinâmica se inicia, a da sobrevivencia. É bizarro ver o quanto o ser humano se agarra a sua existência enquanto vê própósito no seu existir. E acho que é aí que as coisas ficam novamente sombrias. Apesar de terem construído uma comunidade e de terem finalmente sidos autorizadas ao afeto, a morte é inevitavél e a renovação da vida impossível. Então novamente nos vemos refletindo sobre o objetivo da existência humana quando não se pode prociá-la.
E é muito interessante ver a reação da protagonista em relação esses tópicos, porque como ela não tem nenhuma base de comparação - foi criada sem afeto e sem conhecer o que é a perpertuação da raça - ela reage sim, mas de uma forma muito diferente das outras. Existe um misto de não entendimento, com curiosade, distanciamento e aceitabilidade sem deixar de ter algum pesar. Isso é perceptível considerando que ela é a única que consengue dar fim a vida das enfermas, sentindo sem entender por completo a grandiosidade do momento.
E muito curioso ver que ela leva o livro inteiro (e sua vida toda) pra se dar conta que vivenciou sim o amor. É intrigante notar que ao mesmo tempo que aquelas mulheres são tudo o que conheceu a vida inteira, ela não se sente pertencente e portanto se percebe presa ao grupo. A morte da última é um momento bem melancolico do livro, mas a já mulher adulta o enxerga como um ponto de virada em que ela finalmente poderá começar a explorar aquele mundo. Novamente tem um objetivo.
E qual não é o meu choque com a descoberta do ônibus. Os guardas sempre foram colocados como a fonte do conhecimento, e é um chacoalham perceber que eles poderiam estar tão as cegas quanto elas, tão preso a uma rotina sem razão como todos os encarcerados.
E quando ela finalmente descobre o bunker parece um mega avanço, finalmente teríamos respostas. Todavia é ai que ela se encontra no mesmo ponto que as outras, envelhecendo sozinha e sem propósito. E já idosa decide escrever sua história na ínfima esperança de que alguem um dia vá lê-la. De novo nos confrontamos com mais uma coisa que parece definir nossa existência, a memória. Uma outra pessoa reconhecer nossa presença no mundo parece validá-la de fato, e é por isso que se sentir importante pra alguem é tão relevante pro ser humano.
Confesso que eu já iniciei a leitura sabendo que não haveriam explicações e isso fez com que eu adorasse a história, sem ressalvas. Mas entendo quem se sente frustado, e acho que o objetivo é exatamente esse. As mulheres dos livros são obrigadas a viver uma realidade em que não há respostas, então porque o leitor não deveria experienciar agonia semelhante? É genial.
A morte da protagonista já idosa por cancêr nos orgãos reprodutores é outra sacada de mestre. Sua sexualidade é o que a desperta pra vida e é o mal funcionamento da parte do seu corpo que comanda tais instintos que a leva ao fim.
Essa história é uma experiência complexa de ser ver refletindo a todo momentos sobre o que nos torna humanos (ou mulheres) e qual o sentido de existir. É um choque a cada págna e até o fato de não haver capítulos é um bom espelhamento da própria vida, sempre contínua. Li em ebook e com certeza vou comprar o físico pra reler e marcar todo.