Ana Júlia Coelho 05/04/2024Kay, hoje psiquiatra, narra o início de seus estudos na medicina e sua luta com os sintomas do transtorno maníaco-depressivo. Ela começou a reparar nas mudanças de humor e na intensidade delas desde cedo, e, depois de começar seus estudos sobre transtornos, teve dificuldade em aceitar o diagnóstico e a necessidade de medicação.
Minha irmã tem bipolaridade, o livro é dela e ela queria muito que eu e minha mãe lêssemos para que entendêssemos um pouco melhor o jeito que ela se sente, mas que não consegue colocar em palavras, não consegue descrever. E realmente, esse livro define muito ela. Enquanto eu lia, via minha irmã sendo descrita. Extremamente intensa, com variações de humor constantes, compras impulsivas e exageradas, resistência ao medicamento e uma vontade de interromper o tratamento a cada sinal de melhora, de estabilidade.
Acompanho a luta da minha irmã em busca da normalidade com essa doença, mas foi muito doloroso acompanhar os relatos de Kay também. A forma com que o transtorno afeta o rendimento na faculdade e na vida, o jeito que o lítio é o único a resolver esses problemas, mas que, em compensação, também traz efeitos colaterais incômodos. Mas, apesar de todo o aspecto triste, é maravilhoso ver a rede de apoio que ela criou em volta dela e a forma com que passou a aceitar e informar seu transtorno a cada pessoa que se aproximava o suficiente para criar um vínculo.
Pessoas bipolares são mais um risco para elas mesmas, principalmente nas fases depressivas, do que para os outros, apesar de vez ou outra tornarem-se agressivas. Mas, por conta de todo o estigma que transtornos psiquiátricos já carregam, e a bipolaridade mais ainda, quem tem esse diagnóstico é olhado de maneira torta, ainda se tem um preconceito ao cruzar com um bipolar em empresas ou na família. Kay narra o medo que ela tem de ser impedida de exercer sua profissão, porque, onde já se viu, uma psiquiatra bipolar?
Só quero dizer que, obviamente, não é fácil para as pessoas terem esse diagnóstico, mas é algo genético, não tem como mudar, não tem como curar, não tem como fugir; o que dá de fazer é tratar os sintomas e tentar lidar da melhor forma possível com as fases de hipomania e depressivas, fazer com que o transtorno trabalhe ao seu favor. Mas, se pararmos para pensar, todos nós, em algum grau, agimos como pessoas bipolares no dia a dia. Quem nunca comprou muita coisa por impulso? Quem nunca explodiu por ter sido minimamente contrariado? Quem nunca se enfiou numa cama sem vontade de se levantar ou de falar com as pessoas? Longe de mim querer reduzir o transtorno a coisas simples como essas, porque, com uma irmã com TAB, eu entendo bem a intensidade de cada uma dessas fases (e o transtorno vai muito além desses aspectos, trouxe os três só para exemplificar). Mas eu quero dizer que bipolaridade não é um bicho de sete cabeças, pessoas bipolares não são monstros, não vão te matar no primeiro olhar enviesado que tu dirigires a elas. Essas pessoas estão enfrentando suas dificuldades e limitações da melhor forma possível, da mesma forma que as outras pessoas tidas como normais também enfrentam suas batalhas diárias.
Ter um diagnóstico é extremamente importante para ter o melhor tratamento dos sintomas, mas as pessoas ainda são elas, ainda são mais que um diagnóstico, que uma caixa designada para elas se encaixarem. Bipolaridade não define quem a pessoa é, a bipolaridade não fala mais alto do que todas as outras características do indivíduo. Ainda que muitas pessoas apresentem os mesmos sintomas, cada uma ainda tem sua individualidade, suas vontades, suas tristezas. Nada garante que, mesmo sem um transtorno desses, as pessoas não seriam explosivas, não teriam variações de humor, não seriam impulsivas nem chegadas ao abuso de álcool. Nós somos assim na vida, e não deixamos essas características ditarem quem somos. Aceitamos e seguimos em frente, sabendo que somos muito mais do que isso. Então transtornos (aqui, no caso, a bipolaridade) também não devem vir à frente do indivíduo, não devem ser considerados mais importantes do que todas as outras características, sejam elas boas ou ruins.
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