Alê | @alexandrejjr 20/11/2022
Os olhos atentos
O jornalismo é uma atividade essencial. Não somente pela sua função dentro de uma sociedade ou pela bússola moral que supostamente guia quem o pratique. O jornalismo é essencial porque histórias reais também merecem ser (bem) contadas.
Este “Cem quilos de ouro e outras histórias de um repórter”, lançado em 2003, do grande Fernando Morais, é um exemplo excelente do porquê histórias reais merecem ter o devido cuidado. São 12 reportagens selecionadas pelo autor que trazem a principal característica do bom jornalismo: os olhos atentos para boas pautas. Além disso, o livro tem uma adição importante: ao revisitar, dentro da sua extensa produção como homem de imprensa as histórias que selecionaria, Morais presenteia os leitores com os bastidores da feitura de um trabalho jornalístico exemplar.
Em pouco mais de 300 páginas, os leitores têm encontro marcado com um sequestro que marcou época no Brasil, na história homônima que dá título ao livro; vão acompanhar os perrengues de um tempo em que o jornalismo mais sujava as botas do que trocava mensagens em aplicativos de conversa em “O sonho da Transamazônica acabou”; viajarão para a América espanhola em “Primeiro rascunho de A Ilha”, “O homem de Fidel na CIA” e “A guerrilha na Nicarágua”; conhecerão a intimidade que só os perfis podem oferecer em “Confissões do frade”, “Encontro marcado com Chatô” e “Ele mandou prender Pinochet”; e vão poder entender os dois lados de uma mesma moeda ao adentrar no egocêntrico universo de um presidente da República nos excelentes textos sobre Fernando Collor de Mello em “O Napoleão do Planalto” e “O solitário da Dinda”.
Fernando Morais, ideologicamente canhoto por excelência, mostra nestas pequenas reportagens e matérias que é possível narrar uma história sem deixar a paixão cegar a lucidez, algo que talvez não possa ser dito dos seus grandes trabalhos biográficos, como “Olga” (1985) e “Chatô, o rei do Brasil” (1994), que pecam por pequenas invencionices que seu autor resolve colocar dentro do contexto histórico para “facilitar” a fluidez narrativa, algo que outros biógrafos do mesmo calibre, como Lira Neto e Ruy Castro, não fazem. Tirando esses deslizes, Morais é um dos grandes exemplos a ser seguido por todo e qualquer jornalista que leve sua profissão com seriedade.
A realidade é que, seja narrando os bastidores de um crime que se tornaria comum no país - sequestro, no caso deste livro, do empresário Guilherme Affonso Ferreira, popularmente conhecido como Willy -, perfilando nomes importantes da história nacional como frei Betto ou o nosso controverso ex-presidente da República, o senhor Fernando Collor de Mello, ou ainda trazendo reportagens que fogem do padrão limitador do jornalismo diário como o perfil de Baltasar Garzón, juiz espanhol que mandou prender o ditador chileno Augusto Pinochet, além da montagem de uma figura do porte de Assis Chateaubriand através das lembranças de seus empregados mais íntimos em uma conversa informal captada por Morais com os jornalistas Moacir Werneck de Castro, Otto Lara Resende e Rubem Braga, o livro traz uma sensação amarga de nostalgia de um tempo em que a imprensa era mais respeitada tanto pelo público quanto pelos donos dos grandes veículos de comunicação. E isso, sem dúvidas, traz, na mesma proporção, certa alegria e tristeza a este leitor, pois mostra que o potencial jornalístico das histórias estão sempre à vista, bastam olhares atentos e competentes.