gisellyyy 17/05/2024
"o passado era tudo o que eu tinha"
Esse livro foi uma decepção, mas também uma surpresa. Me venderam como um livro DE "female rage", e eu não acho que seja exatamente isso. Livros DE female rage possuem uma personagem feminina que odeia seus opressores/o sistema, que tem uma avalanche de emoções acumuladas por consequência e como não aguenta mais arruma alguma forma de lidar com tudo. A protagonista tem um pouco de tudo isso, mas não "serve" para nada até o fim da história. Então não consigo considerar esse livro como sendo de female rage e muito menos de "mulher doida".
A protagonista odeia homens, por causa deles também odeia mulheres, e teve a vida centrada neles. Não conseguiu ter relações saudáveis com nenhuma garota, alimentou rivalidade feminina e tentou suprir seu vazio emocional tendo uma vida sexual ativa com homens estranhos e vivendo como se sua vida fosse um jogo fútil. Ela os julgou enquanto teve sexo com eles, fingiu orgasmo pra agradá-los, os usou porque não queria ser pobre, foi obcecada por beleza física, não aceitava envelhecer e perder seu "valor", mentia o tempo inteiro, estava sempre interpretando um papel, se humilhou por homens nojentinhos, traiu, e depois voltava a reclamar deles mas sem nunca sair do ciclo. No final do livro ela diz "o passado era tudo o que eu tinha", e eu acho que essa frase a define bem. Ela viveu estando presa no passado, ele era sua prisão particular e intangível.
Eu odeio toda essa cultura que faz mulher ser obcecada por homem em todos os níveis mais miseráveis possíveis. Acho insuportável e irritante ao extremo ver mulheres que não conseguem existir sem ter homens presentes nas vidas delas de forma romântica. Eu sei muito bem de onde se originam essas necessidades por atenção masculina, validação, carência, obsessão, solidão, etc. Entendo muito bem o que é ter raiva acumulada por diversas razões, porque também tenho. Como não me identifico nem um pouco com essa dependência, obviamente a leitura foi difícil. Acho que enquanto lia, peguei o nojo e ódio que ela deveria sentir e senti por ela. Foi incômodo. Não me vi em nenhum personagem, não gostei muito de ninguém. Vim a sentir um pouco de empatia apenas nas últimas páginas. Creio que toda a tristeza real dos eventos foram se acumulando e no final eu estava meio abalada pela vida miserável que a protagonista viveu.
A história retrata assuntos pertinentes, mas às vezes parece apresentar apenas uma coisa chocante e nojenta atrás da outra. E não há um contraste, todas as personagens femininas são miseráveis por causa de homem, e eu me questiono se realmente tinha que ser assim. Tamanha falta de identificação foi perturbadora pra mim.
Esse livro parece ser muito sobre todas as desgraças que o mundo dos homens pode causar na vida de uma garota e é fiel nesse quesito, mas também fez parecer como se a mulher não pudesse ter controle sobre a própria existência depois de ser atingida pela bomba.
Tem gente lendo essa história e dizendo que não tinha como ser diferente. Mas eu discordo, tinha sim.
Porque quando nossa vida já é miserável e a gente continua causando mais merda e indo atrás de novas misérias, também é escolha nossa. É difícil, mas só porque nos fizeram miseráveis não temos que continuar sendo!!! Uma pena que a protagonista não percebeu isso mais cedo.
Me pergunto, até que ponto podemos dizer que nossas ações destrutivas são consequências do passado, de uma vida atormentada por outros? Até que ponto podemos dizer que não é culpa nossa também? Até que ponto podemos querer ser absolvidos e alegar que tudo que fizemos foi por causa desse mundo cruel? Existem linhas tênues? Quando estamos destruídas, temos mesmo que nos agarrar ao passado e não largar? Não dá pra existir depois do bombardeio?
A protagonista tenta explicar muito das ações tolas dela, como no trecho "eu tinha dado em cima do namorado de uma amiga para testar meu poder, mas só depois de a amiga ter me machucado, de ter esfregado uma falsa felicidade na minha cara para se sentir melhor". Aqui ela justifica a falta de caráter e empatia, culpabilizando a outra garota e tratando como se tudo fosse sobre poder sobre homens e que se dane o resto. Porque é nisso que ela acreditava e obviamente por consequência da vida que viveu e decidiu continuar vivendo. A existência dela se resumiu em se entregar a homens, não viveu por si mesma.
Ela foi vítima várias vezes no decorrer dos anos, mas acima de tudo também foi vítima de si mesma. Ela foi uma das pessoas que a tornou mais miserável, porque devido aos traumas não estava disposta a conhecer outro mundo a não ser esse deplorável em que viveu. Isso é triste demais.
Foi difícil ler algo assim e não assumir um papel. Eu assumi muitos papéis durante a história, mas creio que ao terminá-la consegui absorver os acontecimentos sem olhos de julgamento. Muita gente diz que não conseguiu gostar da personagem principal, mas não acredito que ela foi criada para ser "gostada", não é sobre isso.
Acho que o que mais me incomoda aqui é o fato da vida da protagonista ter sido inicialmente "estragada" por homens e simplesmente ter permitido que eles continuassem lhe destruindo quase até o fim. Minha vibe é mais: "você quer destruir homens que acabaram com sua vida? ok vai lá explode eles, se vingue se isso é o que quer, e então vai tentar viver a sua vida." E aqui só encontro miséria, lutos, feridas, humilhações e mulheres se acabando por caras. É tão realista e pessimista. É uma história super desconfortável, desconfortável de um jeito que não me agrada. Enfim, não recomendo, há MUITOS gatilhos de diferentes tipos de abuso. Não sou parte do público alvo desse livro e não tem o que fazer.