Marc 12/04/2023
O olhar objetivo de Miguelanxo Prado sempre nos revela alguma coisa de interessante sobre os temas de que decide falar. Ele não costuma abrandar o que tem a dizer, mesmo que isso fira algumas sensibilidades. Por outro lado, não existe a tendência de simplesmente querer chocar, como se devesse libertar as pessoas do transe em que vivem. Eu o entendo como uma cronista, alguém que mostra o que está vendo e logo depois se afasta, sem nem mesmo esperar se o que disse vai desencadear algum tipo de mudança. Tive essa sensação desde que li “mundo cão”, publicado há muito anos pela editora Abril.
Os tipos que aparecem nas histórias acabam compondo um painel diverso sobre os problemas de ego e insegurança que tanto atrapalham os relacionamentos. Vemos ressentimento, soberba, indiferença, perversidade, ciúmes, etc. Tudo de maneira muito crua, mas sem forçar para mostrar as consequências disso tudo, porque as histórias estão restritas às duas pessoas que se cruzaram e iniciaram relacionamentos, mas que não ficarão juntas. Por isso, fica até um pouco difícil tentar encontrar pontos em comum que estejam em todas as histórias. O único que sou capaz de encontrar, na verdade uma ausência, é a falta de amor. Até mesmo as pessoas que se amaram no passado, descobrem com um certo tom de desolação, que tudo está perdido, que é impossível recuperar o sentimento que já passou, que a vida mudou, que eles são outras pessoas, afinal, e que não faz sentido tentar retomar as coisas de muito tempo atrás.
Miguelanxo Prado deixa as histórias com um refinamento que faz com que gostemos delas, mesmo que todas terminem em tristeza ou vazio. Não apelar, mostrando as relações sexuais, é um recurso narrativo (os desentendimentos acontecem todos depois do sexo, quase como se os personagens não fossem capazes de resistir ao tédio que lhes acomete logo depois da relação) que direciona a atenção do leitor para o ponto nevrálgico de cada episódio. Todas aquelas pessoas estão se despedindo umas das outras, desfazendo esperanças e fantasias, partindo corações e mostrando profundo egoísmo, a ponto de não serem capazes de oferecer nem uma palavra de afeto sequer. O pragmatismo de vários desses personagens chega a assustar, mas essa escolha do autor confere enorme realismo.
O que falta, portanto, é amor. Mas fica um gosto estranho, porque é possível ver amor em cada uma dessas histórias. E aqui entra a capacidade de um verdadeiro observador das pessoas: o amor não é apenas um sentimento, mas uma decisão. Sei que isso pode desagradar a quem leia, mas amor não é apenas sentimento; é também uma escolha, tem um elemento racional. Se escolhemos nos dedicar às pessoas, podemos viver longas e belas histórias de amor. Se escolhemos nos manter em nossas vidas, não arriscando nossas posições e conforto, então não há amor, ou ele não é levado a sua plena realização. Acredito que isso fica claro em vários dos diálogos, com os personagens dizendo abertamente que não vão alterar suas vidas para acomodar outra pessoa e nem arriscar suas posições sociais e profissionais. A meu ver, o elemento comum de todas essas histórias é essa ausência, um lugar vazio onde deveria estar uma decisão e compromisso. É o vazio de algo que poderia ter sido, mas que não pode ser ocupado por mais nada, porque nada pode substituir o amor, nem mesmo uma amizade verdadeira como muitas vezes é oferecido.
Esse vazio, que não pode ser ocupado por qualquer outra coisa, precisaria ser trabalhado e, um dia, quem sabe, aquelas pessoas poderiam amar novamente, de um modo muito mais maduro. Mas esperar isso de pessoas tomadas de “amor próprio” (o termo que os coachs usam para substituir egoísmo) é, por sua vez, ingênuo. Nós sabemos que nenhuma daquelas pessoas, tão reais, jamais poderá lidar com sua dor e vazio e aprender a oferecer o amor verdadeiro, assim como também as que estão abandonando. Dos dois lados estão pessoas egoístas demais para considerarem que sua visão de amor está equivocada. Evitei o termo, mas se trata de imaturidade, mesmo que sejam todos adultos, quase sempre acima dos 30, 40 anos, mas que não passam de meros adolescentes emocionalmente; pessoas que não conseguem doar nada de si, esperando apenas receber e encontrar satisfação para seus desejos, ansiedades e vazios. E, como se não bastasse, nós conhecemos em que se transforma o amor não realizado. Aquele vazio que ele deixa e que resseca, deixando um sentimento de vida não realizada, de desencanto e tempo perdido.