Fabio.Nunes 26/03/2024
Sexo é prosa, amor é poesia
A rosa mais vermelha desabrocha ? Liv Strömquist
Editora: Quadrinhos na Cia, 2021
É o mês da mulher, e nada mais justo que ler uma autora dentro de um gênero literário dominado majoritariamente por homens: os quadrinhos. Que bom que isso tem mudado.
Liv Strömquist nos entrega uma obra muito diferente: é um ensaio em formato de quadrinhos.
A escolha por ser ensaio tira um pouco nossa atenção da arte em forma de desenho, já que ficamos fixados no texto; mas não há perda de experiência nisso.
Esta é uma obra que fala sobre o amor, e a dificuldade que as pessoas têm de se apaixonarem hoje em dia. Citando diversos autores ao longo da narrativa, como Eva Illouz, Byung-Chul Han e Kierkegaard, Liv nos apresenta cinco causas principais para o problema que é apresentado:
1- O desaparecimento do outro
2- O avanço da escolha racional
3- A nova maneira de ser um homem de sucesso
4- O desencantamento do mundo
5- A inaptidão para a morte
Com um texto divertido e, ao mesmo tempo, denso, perpassamos conceitos como narcisismo; alteridade; transformação do amor em produto a ser consumido; a nova maneira de exercer a masculinidade, e o quanto isso afeta o comportamento das próprias mulheres; a desromantização do amor; o amor como conclusão; a fidelidade; o controle sobre os sentimentos; a necessidade de tornar o amor indolor; a superimportância do EU num relacionamento; a busca por reciprocidade no amor; o amor como ritual religioso a ser seguido por ambos.
Este é um ótimo livro para reflexão sobre o amor. Mas nem tudo são flores.
Em alguns momentos eu fiquei meio perdido na enxurrada de conceitos apresentados, em outros fiquei sem entender se a autora faz distinção ou não entre amor e paixão. De certas ideias eu discordei de pronto, enquanto com outras concordei aplaudindo.
Enfim, um livro pode ser ótimo ainda que discordemos de algumas coisas, e este aqui é um exemplo.
Recomendo a leitura.
Boas reflexões.
1- O DESAPARECIMENTO DO OUTRO
A ideia de que as pessoas começaram a ficar tão narcisistas que tudo o que enxergam são projeções de si mesmas no outro, e não o outro como é. Não há alteridade. O objeto de nosso desejo deixa de ser gente para ser algo a ser consumido.
2- O AVANÇO DA ESCOLHA RACIONAL
Decisões amorosas deixam de ser intuitivas e dão lugar a escolhas racionais, dificultando o forte envolvimento emocional. Uma cultura de escolhas racionais transforma o amor em produto, algo que pode ser consumido e, caso não agrade o consumidor, pode ser deixado de lado; afinal, há muitas opções por aí.
?(?) o próprio método de tomada de decisão racional impede o surgimento da emoção de ?amor?, já que atrapalha a avaliação intuitiva, além de criar uma abordagem parecida com a de um consumidor no mercado.?
3- A NOVA MANEIRA DE SER UM HOMEM DE SUCESSO
A masculinidade hoje se exerce por meio da sexualidade, que molda uma imagem de autonomia e de controle; retendo demonstrações de sentimentos e assunção de compromissos afetivos. Isso empurraria para a mulher a responsabilidade para busca de laços perenes e a formação de uma família, gerando uma espécie de desvantagem estrutural.
Pergunto-me se isso já não era assim desde sempre, disfarçado apenas pelos rituais sociais.
4- O DESENCANTAMENTO DO MUNDO
Vivemos um mundo de cientificação, que tenta explicar e aprender sobre tudo. Nessa sanha, ao estudar o amor e conceituá-lo como uma experiência fisiológica, causada por reações químicas involuntárias, substituímos uma visão mística e espiritual do amor pelo materialismo biológico.
Aqui minha discordância com a autora não poderia ser maior: estudar o amor e entendê-lo como uma reação biológica não retira em hipótese alguma seu significado, não transforma seres humanos em amontoados de células sem emoções ou robôs meramente racionais. Somos criadores de relacionamentos simbólicos, somos fábricas de ficções, isso jamais nos pode ser retirado.
Imagine: alguém se percebe apaixonado e tem consciência de que está passando por reações químicas no cérebro. Essa pessoa deixará de se apaixonar por isso? Saber sobre astronomia de posição, entender tudo sobre estrelas e sobre nosso sistema solar nos impediria de apreciar um nascer do sol? Entender tudo de pediatria e cuidados com um bebê nos impediria de criarmos relacionamentos extraordinários com eles? As perguntas são retóricas. A ciência aplaca superstições, mas nunca nosso encantamento com o mundo. A vida sempre terá sua poesia.
5- A INAPTIDÃO PARA A MORTE
O amor é uma conclusão absoluta pois pressupõe a morte, a entrega de si mesmo.
A fidelidade é ela própria também uma forma conclusiva, que introduz uma eternidade no tempo.
?Se quiser que a magia dure, o casal deve se comportar feito papas de uma igreja particular que dedicam o tempo a comer tapas só os dois, balançar o turíbulo, comemorar um aniversário, comer a hóstia, lembrar-se de algo importante que o parceiro disse, deixar um velho pedaço de osso debaixo de uma almofada de veludo e trancá-lo dentro de um santuário dourado, ouvir ?nossa música? juntos para relembrar a origem do milagre, repetir certos mantras do tipo ?eu te amo? e ?você fica superbem naquele jeans? diariamente, tal qual uma oração vespertina, ou, de preferência, cinco vezes ao dia, que nem os muçulmanos, constantemente pensar no bem-estar do parceiro, se esforçar para ser uma boa pessoa, abster-se de tentações como transar com outro ou comer carne de porco, optando por SENTIR PRAZER EM satisfazer as limitações impostas pela religião, saborear a energia emocional que é evocada pela FÉ ABSURDA E IRRACIONAL EM NÓS DOIS, DE QUE HÁ UM SENTIDO e um PROPÓSITO, para nós dois, como se fosse prestar um serviço vitalício num mosteiro.?