Djeison.Hoerlle 06/03/2023
Pílulas Azuis foi o primeiro quadrinho que comprei. Eu sei, essa frase evoca um certo sentimentalismo. Acho que pelo fato de crescermos com narrativas românticas sobre o primeiro beijo, o primeiro porre, o primeiro amor e tantas outras primeiras coisas que de alguma forma nos marcam. E sendo o acumulador de papel que acabei virando, seria natural esperar que a primeira HQ produzisse o mesmo impacto. Só que isso não ocorreu. Em meio a alguns livros que peguei na Amazon, comprei também Pílulas Azuis, sem querer. E li querendo menos ainda. Mas li. E tão desinteressada foi minha leitura que, contrapondo os textões que escrevo atualmente, a única opini˜ão que expressei ao final dela foi "legal, até que é bacaninha", antes de dá-lo de presente à minha namorada da época e nunca mais vê-lo até ano passado, quando comprei uma nova edição.
E mais ou menos do mesmo jeito que comprei o meu primeiro quadrinho do Frederik Peeters - sem saber direito como - foi que comprei também o segundo. Oleg veio parar na minha casa enquanto eu testava o checkout da Amazon como estudo para um site que estou desenhando. Finalizei um pedido com um item barato qualquer da sessão de recomendados, e em dois dias, o interfone tocou. Só que ao contrário de Pílulas Azuis, este veio até mim em um momento oportuno.
A história baseia-se em um alter-ego do próprio Peters, um quadrinista assombrado pela falta de inspiração, pelas glórias do passado, que parecem um lembrete constante de que o que havia de melhor, já passou, além de também discorrer sobre a dificuldade de lidar com o imediatismo dos dias atuais. Sobre o primeiro tema, considero um atestado de falta de inspiração. É como uma redação sobre não saber o que escrever em uma redação: talvez tenha sido uma boa ideia, há uns 30 anos atrás. Mas se tratando das demais discussões, especialmente a última, me vi bastante instigado, já que esse receio com a tecnologia parece a todo momento criar deixas para o início de uma narrativa distópica. Ou talvez já estejamos vivendo uma.
Mas mesmo abordando tais assuntos, ainda é notória uma falta de objetividade em sua progressão. Tanto que é difícil considerar que algum dos temas citados seja de fato a temática central da história. Às vezes até parecem ser, só que aí vão sendo deixados de lado conforme o autor decide dar atenção a outro assunto, demonstrando pouco ou nenhum zelo em suavizar tais transições, procurando sempre refletir, mas nunca concluir algo de suas reflexões. São apenas pensamentos. Ilustrados, mas ainda assim, apenas pensamentos.
Este ponto pode incomodar os leitores mais habituados às jornadas do herói e outras narrativas mais tradicionais. Da minha parte, posso dizer que o saldo é positivo. Essa abordagem não linear traz uma organicidade que não lembro de ter visto em outra história, a não ser, talvez, na que eu mesmo vivo diariamente. Saber capturar isso já é por si só um grande mérito.
É um bom quadrinho, especialmente se você só tem 30 reais para gastar.