spoiler visualizarEuriano 09/12/2021
Ideal para ler em família
Tim e sua esposa Kathy Keller, passam pelos principais pontos da vida de uma pessoa. Esse livro me levou a olhar para minha paternidade, para o meu casamento e me ajudou a vencer o medo do futuro.
Principais pontos:
PARTE 1: NASCIMENTO
CAPITULO1: PRIMEIRO NASCIMENTO
Temos o primeiro nascimento porque Deus é nosso Criador; podemos ter o segundo nascimento porque Deus também é nosso Redentor. O Senhor é autor de ambos.
O que significa receber nova vida humana de Deus? Quais são as responsabilidades da família e da igreja para com os recém-nascidos? Como podemos ajudar as crianças que entraram em nossa vida por meio do primeiro nascimento a experimentar o segundo nascimento?
ESPANTOSO E MARAVILHOSO
Salmos 139.13-16: “Tu criaste o íntimo de meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo espantoso e maravilhoso [...]
A expressão “de modo espantoso e maravilhoso” é extremamente rica. Todo bebê que nasce no mundo é uma criação maravilhosa, mas, ao mesmo tempo, espantosa. Quem olha para um recém-nascido — percebendo que é uma nova vida humana à imagem do Criador, a qual entrou no mundo com dons e chamados específicos, e uma vida planejada pelo Salvador da história — reage, necessariamente, com uma espécie de temor e tremor. E ninguém deve olhar para um bebê com mais admiração e temor que seus pais.
BENÇÃO OU FARDO
É nítido o medo (mais que a maravilha) diante da ideia de ter filhos. Vivemos em uma sociedade que tem visto um rápido declínio da taxa de natalidade, a ponto de haver menos nascimentos que mortes, o que causa um baixo nível de substituição chamado “desnatalidade”. Menos pessoas hoje em dia consideram que ter filhos é uma bênção.
A autora Jeniffer Senior relaciona vários motivos para a ambivalência contemporânea (egoísmo e fatores econômicos) em relação a ter filhos, mas dois deles se destacam.
O primeiro é a ênfase nunca antes vista da cultura moderna sobre autonomia e realização pessoais. Temos mais liberdade de escolher nossa carreira, prática sexual, onde vamos morar, se vamos nos casar e permanecer casados e se vamos ter filhos ou não. “Poucos desejam voltar atrás no avanço histórico que nos deu essas liberdades recém-descobertas”, ela escreve, mas “passamos a definir liberdade de forma negativa, como ausência de dependência, como direito de não ter obrigações para com o outro [...] [e] como isenção de responsabilidade social imposta sobre nossos recursos financeiros e nosso tempo.
Outro motivo pelo qual ter filhos hoje em dia é tão paradoxal é o fato de que os pais dedicam mais do que nunca capital emocional e financeiro à educação dos filhos, a tal ponto que ter filhos “talvez tenha se tornado [...] uma profissão, por assim dizer”. Só há um problema com essa profissão: “seus objetivos não são nada claros”. O que os pais desejam realizar em relação a seus filhos? Por exemplo, “hoje em dia, os pais [...] são responsáveis pelo bem-estar psicológico dos filhos, o que, à primeira vista, é um objetivo louvável. Mas também é obscuro”.6 Quem define “bem-estar psicológico”? É simplesmente sinônimo de felicidade? Não existem pessoas cruéis e felizes? O objetivo, então, é tornar os filhos íntegros e bons? Embora esse talvez seja o desejo dos pais de hoje, eles vivem em uma sociedade que afirma categoricamente que os valores morais são construídos pela cultura. E, em geral, acrescenta-se a isso que não devemos impor nossos valores sobre nossos filhos, mas deixar que eles escolham os valores deles. Sério? Será que não devemos nos preocupar se estão se tornando honestos, compassivos, justos e pacientes? Podemos deixar que escolham essas coisas ou não?
A Bíblia nos diz que os seres humanos são muito melhores e muito piores do que podemos imaginar. Fomos criados à imagem de Deus, mas profundamente desfigurados pelo pecado. Como a personagem principal de As crônicas de Nárnia, de C. S. Lewis, diz para as crianças:
“Vocês são descendentes do senhor Adão e da senhora Eva”, disse Aslam. “É honra suficiente para erguer a cabeça do mais pobre mendigo e vergonha suficiente para encurvar os ombros do maior imperador da terra. Deem-se por satisfeitos”.
EDUCAR O FILHO
Pais cujo desejo é que o coração de seu filho se volte para Cristo e para o evangelho precisam estar cientes de que a cultura apresenta suas crenças como se fossem simplesmente bom senso e de ampla aceitação. Todos os dias, jovens passam horas nas redes sociais, imersos em ondas de histórias, depoimentos, filmes, vídeos e anúncios que transmitem uma cosmovisão da modernidade secular.
Se você imagina que simplesmente levar o filho à igreja ou ao grupo de jovens uma vez por semana será suficiente para vencer tudo isso e formá-lo para que seja um cristão dedicado, está enganado. O que provavelmente ocorrerá será o oposto: os hábitos mais profundos do coração e o discernimento instintivo de seu filho se tornarão desvinculados das narrativas bíblicas que ele professa em público. Em algum momento no fim da adolescência ou na faculdade, o cristianismo deixará de parecer plausível.
O que os pais podem fazer?
O que gerou alguém como Martin Luther King Jr. foi uma comunidade sólida que encarnou e praticou uma visão moral clara, baseada em um conjunto de crenças a respeito da origem do mundo, da natureza do ser humano e de seu destino.12 Evidentemente, salas de aula não são capazes de produzir tudo isso, mas famílias são, especialmente quando se encontram inseridas em uma comunidade de fé.
Hunter chama esse fenômeno de ecossistema moral. Consiste em comunidades que se reforçam mutuamente em contextos nos quais as crianças vivem, como a igreja e o lar (e, por vezes, também a escola) e em que determinada visão e narrativa do mundo e dos valores morais provenientes delas são ensinadas, explicadas, exemplificadas e aplicadas à vida diária. As características dessa comunidade formativa sempre abrangem uma cosmologia moral e um texto investido de autoridade, bem como discurso moral, imaginação moral e apresentação de modelos morais.
Em Deuteronômio 6, a Bíblia oferece um vislumbre do ecossistema moral que os pais cristãos devem estabelecer com seus filhos para que estes se transformem em cristãos prudentes, com caráter moral fundamentado no evangelho. O início de Deuteronômio 6 apresenta o objetivo da formação de caráter.
Deuteronômio é uma série de sermões de Moisés para a comunidade do povo de Deus. Os Dez Mandamentos, divinamente revelados, são apresentados no capítulo 5, e, no capítulo 6, Moisés diz que “esses mandamentos” são os que “devem estar no coração dos israelitas” e gravados na mente de seus filhos. É evidente que a igreja cristã tem, além de Deuteronômio, a Bíblia inteira como texto investido de autoridade para a sabedoria moral prática.
Não basta anotar as regras morais em um quadro e obrigar os estudantes a memorizá-las. Como Deuteronômio 6 diz, é preciso “[conversar] sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar” (v. 7). Aplicar as normas à vida diária concreta exige atenção constante e muita sabedoria. Temos de considerar as várias escolhas que fazemos todos os dias e perguntar: “Qual é a conduta certa nessa situação?”. Precisamos explicar para nossos filhos por que determinada decisão ou ação harmoniza com o que sabemos sobre Jesus e seu evangelho. Temos de mostrar às crianças que as ordens de Deus não são apenas algo em que cremos de forma abstrata, mas algo que precisa estar “nos braços [...] [e] na testa” (v. 8). Devemos mostrar como os pensamentos diários (“testa”) e como as ações diárias (“braços”) são moldados por nossa fé e nossa experiência de Cristo.
Quando os filhos fizerem a importante pergunta “Por quê?” — “Por que jamais devemos mentir? Jamais devemos roubar? Jamais devemos cometer adultério?” —, a resposta não deve ser um sermão sobre filosofia moral. Antes, os pais devem responder com narrativas, histórias de lutas entre bem e mal, que cativam a imaginação e formam o coração muito mais que argumentos e proposições.
A salvação em Cristo não é para os poderosos, competentes e bem-sucedidos, mas para os que têm força suficiente para reconhecer que não são nenhuma dessas coisas. Em lugar de uma série de modelos de virtude ideais, triunfantes e quase impecáveis, a Bíblia mostra pessoas fracas que não merecem a graça de Deus, que não a buscam e não a valorizam, mesmo depois de, apesar de tudo, Deus a ter concedido. Os que mais recebem graça são os que se mostram mais arrependidos. São narrativas como essas que apresentam de modo bastante vívido os princípios e o poder do evangelho. Os princípios morais cristãos são implicações dinâmicas do amor salvador de Jesus por nós no evangelho.
Por fim, a comunidade cristã que constitui um ecossistema moral é caracterizada pela apresentação de modelos morais.
Crianças precisam ver valores e características morais exemplificados nas pessoas ao redor. Temos de viver aquilo que cremos e professamos. A hipocrisia afasta nossos filhos de nós e, quando isso acontece, é um distanciamento merecido.
Hoje em dia, manuais de educação de filhos muitas vezes aconselham os pais a não tentar incutir seus “valores” nos filhos, mas lhes dar apoio para que formem os próprios valores.14 A realidade, porém, é que todos no mundo ao redor — desde anunciantes a redes sociais, e a maioria dos professores de seus filhos — tentarão implícita ou explicitamente catequizá-los com ideias como “viva sua verdade”. Se você não se empenhar em ensinar seus filhos, outra pessoa o fará. Se não criarmos ecossistemas morais que formem nossos filhos à semelhança de Cristo, eles serão formados pelos ecossistemas morais do mundo.
CAPÍTULO 2: SEGUNDO NASCIMENTO
Ver: João 3 (Nicodemos e Jesus)
A quem se aplica?
São aqueles emotivos durante o culto, que entram em uma catarse no louvor?
São aqueles que tinham uma vida desregrada e encontrou Jesus?
São aqueles conhecidos por votar em candidatos politicamente conservadores. Sem dúvida, a realidade é muito mais complexa, mas a imagem pública leva ao mesmo tipo de conclusão. Acredita-se que ser nascido de novo é algo apenas para pessoas com determinado temperamento, experiência de vida ou afinidade política.
Nicodemos não era o “tipo emotivo”. Nem era alguém cuja vida tinha se desintegrado e que precisava de estrutura moral. Era fariseu, o exemplo perfeito de estrutura moral.
Mas será que era do tipo ultraconservador? Talvez essa seja sua impressão, mas considere o modo surpreendente em que ele é retratado aqui. Ocupa um lugar no centro do poder, é guardião das principais instituições culturais de sua época. E, no entanto, o vemos procurar Jesus, um homem que nunca havia frequentado as escolas rabínicas, que não tinha credenciais acadêmicas nem políticas e que vinha dos níveis mais baixos da classe trabalhadora. Apesar disso tudo, Nicodemos se dirige a ele de forma respeitosa, chama-o “rabi” e deseja aprender com ele. Esse quadro mostra não apenas enorme generosidade de espírito, mas também uma mente aberta em grau extraordinário.
Afinal de contas, quem é Nicodemos? É um indivíduo íntegro e bem-sucedido, mas generoso, tolerante e aberto para novas ideias. Não é alguém com uma vida disfuncional, que precisa de estrutura, nem alguém emotivo, que precisa de uma experiência de catarse, e também não é alguém preconceituoso e conservador. Ainda assim, é a ele que Jesus diz: “Você precisa nascer de novo”.
O chamado de Jesus não pode, portanto, ser um chamado para que pessoas disfuncionais adotem uma moralidade e uma religião estruturadas. Na verdade, é um desafio à moralidade e à religião, pois são elas que Nicodemos representa.
O novo nascimento é para todos.
De onde vem?
Muitos filósofos gregos acreditavam que a história era infinita e cíclica, com grandes expurgações periódicas em que o mundo era queimado e purificado. Depois dessas expurgações, a história recomeçava. Chamavam esse fenômeno palingenesia, que significa regeneração ou renascimento do mundo. Mas esses “renascimentos” nunca eram definitivos. Eram um recomeço, mas a história sempre se movia, inevitavelmente, para a decadência.
Jesus diz que os filósofos estavam equivocados. Quando ele voltar para governar, haverá uma regeneração do mundo, mas será definitiva (Mt 19:28). Não apenas encerrará o ciclo das coisas para que possam voltar a acontecer, mas destruirá todo o mal e a morte e eliminará o sofrimento e as lágrimas.
O reino de Deus e todo o seu poder infinito de purificar e renovar só virão plenamente no fim da história, mas o novo nascimento é uma implantação do poder futuro de Deus em sua vida agora. A glória futura que Deus revelará no fim dos tempos para curar todas as coisas no mundo pode entrar em sua vida neste momento, de modo parcial, porém real, e começar a transformar você de dentro para fora.
No novo nascimento não vamos ao futuro; o futuro vem a nós. O que viaja é o tempo e não nós. O novo nascimento é o poder de Deus de regenerar o mundo, poder que entra em sua vida no presente para começar de modo lento, mas indubitável, a transformar você à imagem de seu Filho (Rm 8.29).
Não existe nada em nossa vida — mágoa, temor, culpa, vergonha, fraqueza ou defeito — que o novo nascimento não possa remover e começar a curar.
O que faz?
Em João 3.5, Jesus diz que precisamos “nascer da água e do Espírito”.
Estudiosos da Bíblia mostram que Jesus está se referindo a Ezequiel 36, em que o Espírito de Deus é comparado a água, pois em climas áridos, de deserto, a água era tão necessária para a vida que era, praticamente, sinônimo de vida. Em resumo, o novo nascimento é a implantação da vida de Deus, do próprio Espírito Santo, em você.
Vamos nos limitar, porém, à metáfora que Jesus emprega aqui, de nascer como uma criança que sai do ventre materno para o mundo. Nascer de novo significa duas coisas que ficam implícitas nessa imagem: nova sensibilidade e nova identidade.
O novo nascimento é acompanhado de um novo sentido espiritual. É a capacidade não apenas de compreender intelectualmente verdades anteriormente incompreensíveis a respeito de Deus, de nós mesmos e do mundo, mas também de sentir essas verdades no coração de forma inteiramente nova. Estar espiritualmente vivo significa ser capaz de perceber realidades espirituais, pois agora temos visão e paladar espirituais. Uma das primeiras áreas em que essa mudança fica evidente é na forma de ler a Bíblia. Talvez você tenha sido criado na igreja e na escola dominical, conheça as histórias da Bíblia e tenha até memorizado uma porção de versículos. Depois do novo nascimento, contudo, você começa a perceber ligações e verdades na Bíblia que nunca havia observado antes ou com as quais talvez houvesse concordado mentalmente, mas que agora impelem, consolam e iluminam você de maneiras inéditas.
Embora esse novo “sentido” e essa nova “sensibilidade” espirituais estejam presentes em todos os que passam pelo novo nascimento, não devemos esperar que surjam e se desenvolvam de forma idêntica em todos.
Ninguém pode asseverar que essas novas percepções surgem da mesma maneira. Por vezes, as mudanças são drásticas e, por vezes, são bastante gradativas. Além disso, nem sempre é a mesma verdade específica que fala mais profundamente ao indivíduo recém-nascido na fé. Esse novo sentido espiritual pode operar de inúmeras maneiras diferentes.
“Como bebês recém-nascidos, desejem intensamente o puro leite espiritual da Palavra” (NASB), o apóstolo Pedro escreve em 1Pedro 2.2. Verdades bíblicas deixam de ser apenas palavras em uma página e passam a ser alimento e bebida que você desfruta e que se tornam parte de quem você é.
“Neste exato momento, há pessoas em minha igreja, para as quais eu prego, que não estão ouvindo o evangelho, pois ainda não têm os ‘ouvidos para ouvir’ que acompanham o novo nascimento”.
Ex pessoal: 2 Co 2:9
Nova identidade
Além de nova visão e novo sentido espirituais, o novo nascimento proporciona uma nova identidade. Essa ideia harmoniza com a metáfora do novo nascimento. Nascer como bebê é se tornar parte de uma família e receber um nome.
Ser “nascidos de Deus” significa não ter mais nome nem identidade baseados em “descendência natural”, a condição social ou linhagem familiar da cultura tradicional, nem em “decisão humana”, a realização e o desempenho da meritocracia moderna. Antes, significa ter os “direitos” e privilégios de ser filho de Deus.
“Se alguém está em Cristo, é nova criação” (2Co 5.17). Não quer dizer que literalmente tudo em nós muda quando nascemos de novo. Antes, algo radicalmente novo entra em nosso ser e tudo o que havia dentro de nós muda de lugar e é, por assim dizer, reconfigurado.
Ex pessoal: o prazer pelo sexo continua, mas deixo de lado a promiscuidade da pornografia e masturbacao pra se contentar com minha esposa.
Todos os outros elementos de identidade que possuímos (nacionalidade, profissão, gostos…) são questões de desempenho ou linhagem que, não apenas nos tornam inseguros e temerosos de não estar à altura de nossa empreitada, mas também costumam nos tornar tribais e frios em relação aos que não compartilham dessa identidade.
No entanto, o evangelho é radicalmente diferente. Primeiro, permite que compreendamos a nós mesmos de forma singular e transformadora. Diz que estamos tão perdidos e somos tão incapazes de agradar a Deus que Jesus teve de morrer por nós.
Ex pessoal: conseguir separar a pessoa da opinião política que ela carrega
Humilhação e Honra
O evangelho diz que merecemos a morte, mas fomos salvos pela mais pura graça. Os únicos salvos são aqueles que finalmente reconhecem que não são espiritual ou moralmente melhores que outros. Contudo, a salvação pela graça não apenas nos humilha, mas, ao mesmo tempo, também nos exalta.
Se você é pobre e a vida inteira ouviu que não tem valor, deve meditar constantemente na posição elevada em que o evangelho o colocou, a fim de curar sua alma. Mas, se você é bem-sucedido e a vida inteira recebeu elogios, deve pensar demoradamente e com frequência na posição humilde em que o evangelho o colocou.
De que maneira o novo nascimento provoca essa mudança? O primeiro elemento da identidade — nova visão e nova sensibilidade — é fundamental para o segundo. Se alguém simplesmente diz a uma criança solitária e triste em um orfanato que ela foi adotada por uma família maravilhosa, essas palavras não trazem nenhuma mudança. É necessário que a criança conheça os novos familiares, seja abraçada, amada e cuidada por eles diariamente. Só então a mudança legal de nome se traduzirá em felicidade e segurança interiores.
O novo nascimento não é uma questão de ter baixa autoestima e precisar de incentivo de Deus. O novo nascimento não é uma espécie de suplemento vitamínico que acrescenta a ideia vaga do “amor de Deus” à mistura de todas as coisas que usamos para construir valor próprio. Nascer de novo não apenas muda o que buscamos como nosso bem supremo, mas também como empreendemos essa busca. Nosso coração descansa no amor oferecido livremente por Cristo a nós; não precisamos nos esforçar para obtê-lo. É uma identidade que se firma em um alicerce inteiramente novo.
Como acontece?
Até aqui, falei sobre conversão (voltar-se para Deus com fé) e novo nascimento como se fossem a mesma coisa. No entanto, teólogos, ao longo dos anos, articularam uma distinção útil. Em certo sentido, pode-se dizer que são dois lados da mesma moeda, pois sempre andam juntos.
A conversão é aquilo que você e eu fazemos para nos achegar a Deus, mas o novo nascimento é o que Deus faz dentro de nós.
Na realidade, a pergunta é “Como nos voltamos para Deus a fim de que possamos nascer de novo?”. A resposta tem duas partes que ficam implícitas aqui. A primeira diz respeito à graça. A segunda diz respeito a Cristo.
Nicodemos x Samaritana
A pessoa com as maiores realizações e a pessoa cuja vida parece o maior fracasso vêm a Deus como iguais. Você está na mesma situação. Precisa e pode nascer de novo”. Nicodemos havia tentado se salvar com sua moralidade e suas realizações e, portanto, estava fazendo papel de Deus, procurando ser o próprio salvador. A mulher junto ao poço em João 4 é apresentada como alguém que havia buscado alegria e satisfação em uma série de envolvimentos românticos e casamentos desfeitos. Estava tentando fazer a mesma coisa. Por certo, agiu de uma forma que lhe trouxe opróbrio social, enquanto a conduta de Nicodemos lhe trouxe honra social. Aos olhos de Deus, porém, quer tentemos nos salvar ao sermos virtuosos, prestativos, ou belos, não importa. Ao procurarmos salvar a nós mesmos, colocamo-nos no lugar de Deus.
De modo paradoxal, a fim de receber salvação, você precisa entender que não tem condições de contribuir em nada para que ela aconteça. Enquanto você pensar: “Posso me salvar. Sou um sujeito suficientemente bom”, ainda está espiritualmente cego. Não consegue ver o reino de Deus nem experimentar a graça divina. A mudança se chama arrependimento, e não significa apenas lamentar por este ou aquele pecado. É o que Bíblia chama “arrependimento para a vida” (At 11.18). A primeira coisa que você precisa fazer para ser convertido é arrepender-se diante da graça de Deus e dizer: “Percebo que tenho procurado salvar a mim mesmo e preciso de tua graça generosa”.
A beleza de Jesus
Vi meus três filhos nascerem, e cada parto foi diferente. Choraram ou ficaram quietos, espernearam ou ficaram quase imóveis. Mas nos três casos houve um elemento em comum. Não nasceram, não obtiveram nova vida ou foram trazidos ao mundo por seus esforços. Vieram ao mundo pela dor e pelo trabalho de parto da mãe. Em nossa realidade atual, dar à luz não é tão doloroso nem tão perigoso quanto no passado. Mas Jesus falou de nascer de novo em uma época em que não era possível ver a luz da vida a menos que alguém amasse você o suficiente para não apenas sentir dor e sofrimento, mas arriscar a vida por você. Aliás, naquele tempo, muitos nasciam à custa da morte da mãe.
Por isso, mais adiante no Evangelho de João, Jesus faz uma comparação impressionante. Em João 16.16, ele declara: “Mais um pouco e não me verão”, referindo-se a sua morte na cruz. Logo em seguida, diz: “A mulher que está dando à luz sente dores, porque chegou a sua hora; mas, quando o bebê nasce, ela esquece a angústia por causa de sua alegria de ter nascido ao mundo uma criança” (Jo 16.21).
Por que, quando Jesus fala de sua morte, menciona repentinamente uma mulher em trabalho de parto? E por que se refere ao momento doloroso de dar à luz como “sua hora”? Como estudiosos do Evangelho de João observam, sempre que Jesus fala de sua morte na cruz, ele a chama sua “hora”.8
Percebe o que Jesus está dizendo? “Seu primeiro nascimento traz vida física porque alguém arriscou a vida, mas seu segundo nascimento traz vida espiritual e eterna porque alguém entregou a vida. E esse alguém fui eu.”
CAPÍTULO 3: CRESCER NA GRAÇA
O contraste entre nosso estado quando recém-nascidos e na vida adulta não poderia ser maior. O crescimento pelo qual o recém-nascido tem de passar é espantoso; precisa dobrar de tamanho nos quatro a seis primeiros meses.
Será que cristãos recém-nascidos na fé mostram algo semelhante a esse tipo de mudança e transformação?
Cresçam na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja a glória, agora e para sempre! (2Pe 3.18)
Pedro foi um apóstolo que conviveu com Jesus. Viu Cristo ser transfigurado no monte. Ouviu a voz do Pai vinda do céu. Negou Jesus, mas Jesus o perdoou, curou e o comissionou para que fosse líder em seu movimento. Depois da ressurreição, com as marcas dos pregos ainda visíveis, Jesus treinou Pedro pessoalmente.
Quando recebemos o Espírito Santo por meio do novo nascimento, também recebemos, por assim dizer, o DNA de Deus. Isso não significa que somos, de algum modo, amalgamados misticamente com o Ser divino, mas que o amor, a sabedoria, a veracidade, a justiça, a misericórdia e a bondade de Deus são impressos em nós.
Quando a Bíblia nos exorta a crescer na graça, é muito diferente de dizer: “Sejam virtuosos”. Muitos imaginam que o Novo Testamento está simplesmente chamando as pessoas em geral a basear a vida no modelo ético de Jesus. Dizem que ele foi um homem que praticou amor, misericórdia e justiça. Se todos nós vivêssemos como ele, o mundo seria um lugar melhor.
Com todo o respeito a essa ideia, os autores bíblicos não são tão ingênuos e tolos. Chamar as pessoas a viver como Cristo, a adotar um modo de vida inteiramente contrário à natureza humana por um ato de volição, é pedir o impossível. As exortações da Bíblia para que os cristãos se tornem semelhantes a Cristo partem do pressuposto de que nasceram de novo e são participantes da natureza divina. Quando o Novo Testamento instrui: “Ame seu próximo como a si mesmo”, quer dizer: “Alimentem a nova natureza dentro de vocês para que possam amar seu próximo como a si mesmos”. É preciso nascer a fim de crescer. Para que haja crescimento físico, é necessário que haja nascimento físico. Para que haja crescimento espiritual, é necessário que haja nascimento espiritual.
Crescimento gradativo
Pedro fala de “acrescentar” à nossa fé qualidades sucessivas: virtude, conhecimento, domínio próprio, afeição mútua; em seguida, diz que esses elementos devem estar presentes “em medida crescente”. Em outras palavras, o crescimento na graça é gradativo.
A graça entra em sua vida e, se for regada e nutrida, com o tempo realiza uma transformação completa. Se o poder de Deus está em você, cedo ou tarde ele tratará de suas maiores fraquezas. Se o amor de Deus está em você, cedo ou tarde ele confrontará seu egoísmo. Mas é gradativo.
É importante lembrar que, assim como crianças em fase de crescimento, cristãos em fase de crescimento apresentarão várias diferenças individuais. Pais que têm mais de um filho sabem que nem todos aprendem as primeiras palavras, dão os primeiros passos ou fazem qualquer outra coisa exatamente na mesma idade, na mesma fase, com a mesma velocidade.
Fases da Vida Cristã
John Newton falou de três estágios básicos de crescimento espiritual que correspondem sensivelmente a infância, adolescência e vida adulta.
Como crianças, os recém-convertidos com frequência são cheios de entusiasmo e de novos e maravilhosos sentimentos de ausência de culpa e de proximidade de Deus. Newton diz, porém, que embora tenham crido no evangelho — segundo o qual o perdão é dádiva gratuita de Deus, não obtida por esforço nem por mérito —, ainda não aprenderam a aplicar o evangelho à vida como um todo. No fundo, ainda são legalistas.
Eles fundamentam a certeza de que Deus continua a amá-los na própria capacidade de não pecar, na fidelidade na oração e no crescimento em conhecimento cristão, e especialmente na sensação de que Deus está perto deles. Todas essas coisas servem de base para sua certeza de que Deus os ama, em vez de serem o resultado da certeza de que Deus os ama.
Quando os sentimentos espirituais se dissipam e a vida não vai bem, o cristão “adolescente” oscila entre raiva de Deus e raiva de si mesmo. Contudo, Newton escreve: “Por meio dessas dispensações variáveis, o Senhor os treina e os faz progredir”.
Em meio às dificuldades, Deus conduz os crentes a um entendimento mais profundo do evangelho. Cristãos imaturos imaginam que sentimentos e circunstâncias positivos são resultados merecidos em razão da força de sua devoção a Cristo. A presunção sutil (ou não tão sutil) e a ingenuidade são arrancadas deles por dificuldades e provações.
A hora da liberdade pela qual ele anseia se aproxima quando, por uma descoberta adicional do glorioso evangelho, lhe será permitido conhecer sua aceitação e se tornará possível descansar na salvação consumada pelo Senhor”.
Por fim, Newton fala de cristãos maduros e “espiritualmente adultos”. Uma vez que compreenderam o evangelho mais profundamente, são capazes de lidar bem com o sofrimento, pois percebem que circunstâncias adversas não significam que estão sendo castigados por seus pecados, ou que Deus não se importa.
Têm força emocional para ser muito mais honestos sobre os pecados que os assediam em vez de justificá-los ou negá-los. Podem, portanto, entender a si mesmos e superar suas falhas de caráter como nunca antes.
Crescimento na graça é essencial, acontece de dentro para fora, e é orgânico, e não mecânico. É possível formar um monte de pedras ao colocar cada vez mais pedras no topo. Da mesma forma, é possível amontoar atividades cristãs e frequência perfeita à igreja. É possível até crescer em conhecimento intelectual da doutrina cristã e de fatos bíblicos. Mas isso não é o mesmo que tornar-se mais sábio, profundo, alegre e amoroso.
Nosso crescimento por vezes será mais rápido e, por vezes, mais lento. Será mais forte em uma área que em outra.
Haverá cada vez menos egoísmo, cada vez mais capacidade de controlar a busca por gratificação própria que custa muita tristeza a outros, especialmente a membros da família. Isso significa um avanço em nossa capacidade de controlar gastos, alimentação e aquilo que dizemos em público.
Um sinal especialmente claro de crescimento na graça é a capacidade de suportar maus-tratos dos outros ao perdoá-los de coração e desejar o bem deles, ao mesmo tempo que buscamos com destemor, mas com humildade, justiça e reparação.
Haverá dependência cada vez maior da sabedoria de Deus nos altos e baixos e nas circunstâncias da vida. Romanos 8.28 (Deus faz com que “todas as coisas [cooperem] para o bem daqueles que o amam”) não afirma que cada mal específico produzirá algum bem, mas promete que, juntas, todas as coisas em nossa vida estão sendo encaminhadas de acordo com um plano, em sua maior parte invisível para nós, que opera para nosso benefício e para a glória de Deus. O cristão que depende dessa promessa descobre que “não importa quão sombrio seja seu horizonte, ou quantas dificuldades o cerquem [...] você aprendeu a viver pela fé. E o humilde contentamento com sua condição, ainda que seja de pobreza e obscuridade, mostra que você se beneficiou de sentar-se aos pés de Jesus”.
Por fim, um sinal de crescimento na graça será amor crescente por outros cristãos, e não apenas pelos membros de sua tribo específica. Infelizmente, a igreja cristã ainda se encontra dividida, em grande parte, por raça e classe; é provável, portanto, que você vá à igreja com pessoas de sua raça, nível de instrução e classe social. Um excelente sinal de crescimento na graça, porém, é a descoberta de que temos uma ligação mais próxima com crentes de condição social diferente da nossa que com descrentes de mesma condição social. Esse amor por outros cristãos, quando genuíno, rompe barreiras de política e ideologia, raça e classe, que dividem todos os outros seres humanos.
Nicodemos
Para um dos exemplos mais curiosos dessa nova criação, podemos voltar a Nicodemos, dessa vez com enfoque não em João 3, mas naquilo que o Evangelho nos diz a respeito dele no fim, quando Jesus morre.
Em João 19, quando o corpo de Cristo ainda estava na cruz, Nicodemos e José de Arimateia, dois homens ricos e bem-sucedidos, membros do conselho de líderes judeu, pedem o corpo de Jesus e removem-no da cruz. Depois disso, o relato nos diz que eles mesmos preparam o corpo para o sepultamento. Limpam-no de todo sangue e sujeira. Envolvem-no ternamente com um pano em que são colocadas especiarias aromáticas. Esses gestos são espantosos. Por quê?
Nicodemos e José agiram com ousadia e com coragem incrível, pois, quando o líder de um movimento era executado, ninguém queria ser um de seus seguidores. Aliás, todos os outros seguidores de Jesus estavam escondidos, mas esses dois homens se dispuseram a tomar providências e se identificar abertamente como discípulos.
Além disso, é importante entender que, naquela cultura, somente mulheres ou escravos lavavam e preparavam um corpo para ser sepultado, pois era uma tarefa considerada (com razão) impura. Homens de condição elevada nunca realizavam esse trabalho, mas foi o que José e Nicodemos fizeram.
“Quem nasce uma vez, morre duas. Quem nasce duas vezes, morre uma.”
PARTE 2: CASAMENTO
CAPÍTULO 4: COMEÇAR O CASAMENTO
O fator econômico pode ser observado na convicção amplamente difundida de adultos solteiros de que é necessário ter uma boa carreira que proporcione estabilidade financeira antes de se casar, e de que o mesmo se aplica, obviamente, ao possível cônjuge. Por trás dessa pressuposição há a ideia de que a vida de casado consome um bocado de recursos, especialmente com a chegada dos filhos.
Tradicionalmente, as pessoas se casavam não porque tinham segurança e estabilidade financeiras, mas, sim, para obtê-las. O casamento traz consigo benefícios econômicos ímpares. Estudos mostram que casados poupam bem mais que solteiros. Os cônjuges podem incentivar um ao outro a mais autodisciplina do que os amigos. Cônjuges também dão mais apoio um ao outro nas provações da vida e, portanto, têm mais saúde física e mental que solteiros.
Essa abordagem moderna à identidade é incutida em nós por nossa cultura de inúmeras formas.
Somos bombardeados continuamente por essa mensa- gem: na televisão, filmes, redes sociais…
O efeito dessa identidade moderna sobre o casamento é expressivo. Significa que não desejamos nem mesmo pensar em casamento se não tivermos definido nossa identidade singular. Não queremos que ninguém mais tenha o direito de dizer quem somos enquanto nós mesmos não tivermos plena certeza de nossa identidade. Além disso, hoje em dia esperamos e até mesmo exigimos que todos os relacionamentos sejam transacionais, mantidos apenas enquanto são vantajosos para nós, e não comprometidos e permanentes.
Em nossos dias, muitos só se casam quando imaginam ter encontrado um cônjuge que não tentará mudá-los e que proverá recursos emocionais e financeiros para ajudá-los a alcançar seus objetivos pessoais.
Ao contrário da mensagem que nos é transmitida, desenvolvemos nossa identidade não apenas ao olhar para dentro de nós mesmos, mas por meio de relacionamentos importantes e narrativas que moldam profundamente o modo que nos vemos. Não olhamos apenas para nosso interior.
O CASAMENTO FOI FEITO PRA NÓS
há fortes indícios de que a família tradicional é essencial para o bem-estar de crianças e jovens e de que os filhos se saem muito melhor quando são criados em famílias em que pai e mãe são casados um com o outro. Essas constatações não devem causar surpresa aos cristãos.
O medo de conflito e de fracasso impede muitos de procurar um cônjuge ou, no mínimo, leva-os a buscar um possível companheiro praticamente livre de defeitos ou fraquezas. Alguns supõem que, pelo fato de seus pais terem se divorciado, existe probabilidade maior de que seu futuro casamento também terminará em divórcio.
O divórcio, às vezes, é necessário, e a Bíblia o permite. Estudos longitudinais mostram, contudo, que dois terços dos casamentos infelizes se tornarão, em cinco anos, uniões felizes se os cônjuges persistirem.10 Justin Lange descobriu que era uma ilusão acreditar que, se encontrasse a companheira certa, não brigariam como os pais dele brigavam.
SEXO
De acordo com a ética sexual surpreendente dos cristãos primitivos, o sexo é o sinal dessa entrega total e o meio para ela e não deve ser usado para nenhum outro propósito. Ter sexo por outro motivo, qualquer que seja, é ter um conceito equivocado a seu resrespeito. A concessão de acesso a nosso corpo deve ser acompanhada de uma abertura mútua da vida como um todo pela aliança vitalícia do casamento. Os primeiros cristãos ensinavam que, somente nessa situação, o sexo pode se tornar o ato unitivo e realizador que foi criado para ser.
Esse novo código sexual de “não ter sexo fora do casamento” causou espanto no mundo romano, pois parecia extremamente restritivo.13 Na verdade, porém, elevou o sexo de mero objeto de consumo para uma forma de criar vínculo e comunidade incomparavelmente fortes entre dois seres humanos e a uma forma de honrar e se assemelhar àquele que se entregou inteiramente por nós, para que pudéssemos ser libertos a fim de nos entregar inteiramente a ele.
Quando entregamos o corpo um ao outro sem entregar a vida como um todo, deixamos de reconhecer a natureza integrada de nosso eu. O corpo não é separado do todo. O sexo deve ser, verdadeiramente, a oferta recíproca da vida um ao outro, e é desumanizador entregar o corpo a alguém que não tem problema em sumir depois e não se importa conosco.
Os cristãos têm o conceito mais profundo e amplo possível de consentimento. Quando os cristãos afirmam que o sexo é somente para o casamento, querem dizer que o sexo deve ser superconsensual.
O que buscar no outro que encontramos:
1. Se você é crente, procure alguém que também seja.
2. Procure alguém que continuará a ser atraente para você quando perder a beleza da juventude.
3. Por fim, aconselhe-se com outros a respeito de seu relacionamento antes de se casar.
Começar devidamente o casamento
1. Nunca durmam com raiva.
Expresse o que sente. Aprenda a pedir perdão e perdoar.
Em círculos médicos, é amplamente aceita a ideia de que é durante o sono que as coisas aprendidas e vivenciadas durante o dia se organizam em memórias e hábitos. Ir dormir com raiva de seu cônjuge alimentará uma atitude de ressentimento. Se o fizer repetidamente, esse ressentimento se transformará em raiva profunda e até mesmo em ódio. Como evitar dormir com raiva?
2. Façam da oração juntos as últimas palavras de seu dia.
É difícil orar com raiva e, mesmo que vocês apenas passem cinco minutos pedindo a Deus a bênção dele sobre sua família e sua vida, terão de abrir mão da raiva para entrar na presença de Deus.
3. Ofereçam sexo um ao outro com frequência.
Falta de toque íntimo pode causar distanciamento entre os cônjuges. Usamos o verbo “oferecer” intencionalmente. Todos nós acreditamos no mito de que paixão intensa toma conta dos dois ao mesmo tempo; na verdade, porém, uma pessoa geralmente tem mais interesse em sexo que a outra. Nessas ocasiões, a pessoa menos interessada pode oferecer sexo como uma dádiva.
Em um mundo em que todos os privilégios sexuais eram dos homens, Paulo afirma que maridos e esposas têm direitos iguais sobre o corpo um do outro, e que não é bom “se privar” um do outro a menos que seja por mútuo consentimento e por um período curto.
4. Tomem decisões refletidas a respeito de sua vida e de suas tradições como família.
Vocês cresceram observando seus pais ou outros adultos nos papéis deles como homens e mulheres, maridos e esposas, pais, avós e assim por diante. É inevitável que tragam esses modelos inconscientemente para o casamento. É dessa forma que o marido trata a esposa. Essa é a maneira de comemorar as festas. As férias são sempre na praia. Essas pressuposições influirão em sua vida conjunta em coisas grandes e pequenas, portanto é melhor tratá-las de forma consciente e resolver como casal de que maneira sua nova unidade familiar procederá.
Estamos falando de criar novas tradições adequadas para sua nova família, em vez de tomar por certo que as coisas devem ser feitas de acordo com os costumes de sua família de origem.
5. Por fim, aprendam as “linguagens do amor” um do outro.
CAPÍTULO 5: MANTER O CASAMENTO
1. Evitando a idolatraria
É costume em cerimônias de casamento a esposa caminhar até o noivo, com frequência acompanhada do pai ou de pai e mãe, ou de outra pessoa. Gênesis mostra que essa tradição remonta ao jardim do Éden. Nesse caso, Deus conduziu a esposa ao marido.
O homem irrompe em cântico ao ver sua esposa.
A primeira palavra que ele diz em hebraico significa “Enfim”. Também pode ser traduzida por “Finalmente!”. Diz: “Era ela que eu estava procurando. Era ela que estava faltando”. Mas quem é ela? Ele afirma que ela é “osso dos meus ossos e carne da minha carne”. É uma forma de dizer: “Eu me encontrei em você. Finalmente, ao conhecer você, posso conhecer a mim mesmo”. Lembre-se de que Adão está no paraíso, onde tem um relacionamento perfeito com Deus.
John Newton, mais conhecido por ser autor do hino Amazing grace [Surpreendente graça], aconselhava recém-casados com frequência e dizia que talvez imaginemos que ter um mau casamento seja o pior problema que alguém pode enfrentar. No entanto, ter um bom casamento pode representar um perigo espiritual igualmente sério.
Newton diz que bons casamentos correm o risco de afastar nosso coração de Deus e voltá-lo para o cônjuge como fonte suprema de amor, segurança e alegria. Além disso, ele afirma que um bom casamento pode ser a causa de voltarmos a uma “aliança de obras”. O que isso significa?
“Aliança de obras” é um termo teológico antigo para um sistema em que obtemos a salvação por meio de nosso desempenho. Talvez digamos: “Deus me abençoará e me levará para o céu porque vivo de forma correta e mereço ser salvo”.
Procuramos em nosso cônjuge coisas que somente Deus pode nos dar. Buscamos no amor, no respeito e no apoio de nosso cônjuge a percepção de nosso valor e de nossa dignidade. Em outras palavras, esperamos que nosso cônjuge nos salve. Em certo sentido, voltamos à aliança de obras.
Como isso pode acontecer?
Colocamos pressão insuportável sobre nosso cônjuge para que sempre esteja saudável, feliz, contente conosco e nos apoiando. E, no entanto, ninguém pode suportar o peso desse nível de expectativa. Críticas de nosso cônjuge nos destroem. Problemas com nosso cônjuge também podem nos deixar arrasados. Se algo não vai bem no relacionamento, a vida começa a se desintegrar. E, se o cônjuge falece, como nosso “deus” poderá nos consolar com seu amor quando ele está em um caixão?
De acordo com C. S. Lewis, provavelmente é impossível amar demais qualquer ser humano. Talvez o amemos demais em comparação com nosso amor por Deus, mas o problema está na pequenez de nosso amor por Deus, e não na grandeza de nosso amor pela pessoa. Se não tivermos um relacionamento de amor verdadeiro e existencial com Deus, o casamento acabará conosco. (Em os 4 amores)
2. Tendo paciência para a longa jornada
Em Gênesis 2.18 lemos: “Não é bom que o homem esteja só; farei uma ajudadora adequada para ele”.
“Ajudadora” não significa, portanto, “assistente”, mas alguém com força adicional que você não tem. Esse é o termo usado para a mulher, a esposa no primeiro relacionamento conjugal.
Deus coloca na vida de Adão (e, portanto, Deus coloca na vida de Eva) alguém com enorme poder, mas com um poder diferente. “Semelhante oposta”, qualquer que possam ser outros significados, quer dizer não intercambiável. Tanto o homem quanto a mulher têm qualidades e grandezas, perspectivas e poderes que diferem um do outro.
É extremamente importante observar que a Bíblia não nos fornece uma lista de características masculinas e femininas. E, no entanto, ela pressupõe diferenças entre um e outro, especialmente aqui em Gênesis 1 e 2. De acordo com a mensagem do texto, somente juntos, munidos com todos os recursos de masculinidade e feminilidade, os dois são capazes de enfrentar a vida como casal.
Efésios 5.25-27 diz que os maridos devem amar as esposas de forma sacrificial, como Cristo nos amou, e com o mesmo propósito, a saber, tornar as esposas radiantes e belas à medida que vencem suas imperfeições e falhas. Em certo sentido, é o inverso de Gênesis 2. Os maridos devem usar seus recursos específicos pertinentes a eles para ajudar as esposas a se tornarem quem Deus as criou para ser, da mesma forma que as esposas ajudam os maridos.
Tudo isso, porém, pressupõe uma longa jornada, um processo demorado. Ninguém muda e se torna o que foi criado para ser da noite para o dia. Devemos usar nossos diferentes dons e amar um ao outro sacrificialmente, a fim de ajudar um ao outro a crescer e a se desenvolver ao longo de toda a vida.
Hoje em dia, somos consumidores. E consumidores sempre fazem, instintivamente, análises de custo e benefício. A lógica do mercado, de investir e comprar e, então, vender para obter lucro, invadiu todas as áreas da vida, e isso inclui o casamento. Logo, procuramos um cônjuge que supra nossas necessidades, não exija muita dedicação de nossa parte, não tente nos mudar e seja compatível conosco em todos os aspectos. Se entramos em um casamento com alguém “semelhante oposto” a nós, que começa a nos dizer coisas a nosso respeito que não desejamos ouvir, declaramos: “Não está certo. O casamento deveria ser a maior felicidade de minha vida.
3. A alegre humildade que só o evangelho pode dar
Por que Adão se sentiria solitário e insatisfeito no paraíso, antes de existir qualquer pecado no mundo? Tinha um relacionamento perfeito com Deus; como podia estar só?
Deus planejou que Adão precisasse de alguém além de Deus. Claro que a necessidade suprema de nosso coração é pelo amor de Deus. Mas ele nos criou para que também precisemos de amor humano.
“Eu sou o noivo e você, meu povo, é a noiva”.
A referência a “noivo” significa que somente em Deus temos o amante e o cônjuge que nos satisfaz supremamente.
Deus é nossa ajuda em meio a “aflições mortais” porque é semelhante-oposto a você. É como você, pois você foi criado à imagem dele, pessoal e relacional como ele. Mas é diferente de você, pois é perfeitamente santo. Você jamais será a pessoa que deve ser se Deus não entrar em sua vida. E dizer que ele é o “noivo” significa que não pode ser apenas uma entidade na qual acreditamos de forma abstrata, ou mesmo apenas uma divindade a cujas regras obedecemos. É preciso haver intimidade no relacionamento. É preciso haver interação. Ele precisa nos falar por meio de sua Palavra, e temos de derramar nossa alma diante dele em oração e adoração. O amor matrimonial de Deus precisa ser vertido em nosso coração por meio do Espírito (Rm 5.5). A única maneira de não transformar seu cônjuge humano em ídolo ou salvador é ter Deus em sua vida como seu noivo.
Quando surgir a vontade de desistir de um cônjuge difícil, lembre-se da paciência de Jesus com você. A fim de perseverar no casamento, precisamos olhar repetidamente para nosso cônjuge e dizer: “Você me ofendeu, mas eu ofendi meu cônjuge supremo, Jesus Cristo, e ele pagou o preço e me perdoou. Portanto, sou amado por ele o suficiente para oferecer o mesmo a você”. Essa é a única maneira de ter paciência para a jornada.
Esse cônjuge, Jesus Cristo, é o único que verdadeiramente nos salvará. É o único que pode verdadeiramente nos satisfazer.
Seu casamento com ele é o alicerce mais sólido possível para seu casamento com qualquer outra pessoa.
CAPÍTULO 6: O DESTINO DO CASAMENTO
1. O sexo como placa de sinalização
Em Romanos 7, o apóstolo Paulo compara os cristãos a uma mulher que estava casada “com a lei”. Em outras palavras, estávamos tentando nos salvar por meio de nosso desempenho, quer fosse observância religiosa da lei moral de Deus, quer a busca por riqueza, carreira ou uma causa. Mas, quando cremos em Cristo, passamos a estar casados com aquele “que ressuscitou dos mortos, a fim de que venhamos a produzir fruto para Deus” (Rm 7.4). Essa é uma imagem ousada. Como a esposa se coloca nos braços do marido, e filhos nascem no mundo por meio de seu corpo, nós nos colocamos nos braços de Jesus e também damos fruto, seja de nossa vida transformada (Gl 5.22,23), seja de boas obras que transformam a vida de outros (Cl 1.6,10).
O que significam todas essas passagens segundo as quais Jesus é nosso esposo e noivo? Significam, no mínimo, que o sexo no casamento é uma indicação e um antegosto da alegria desse futuro mundo perfeito de amor. No céu, quando conhecermos Jesus em pessoa, entraremos em uma união de amor com ele e com todos que o amam. Naquele dia magnífico, haverá imenso prazer, enorme alegria e profunda segurança dos quais o sexo mais extasiante entre um homem e uma mulher é apenas um eco.
Paulo nos lembra (como em Rm 7.4) de que somos casados com Cristo e, portanto, de que o Espírito Santo vem habitar em nós. Logo, ele conclui que não devemos fazer nada de ordem sexual com nosso corpo que não reflita esse relacionamento com Cristo. Quando nos unimos a Cristo, entregamo-nos inteira, exclusiva e permanentemente a ele, como ele se sacrificou por nós. De modo semelhante, não devemos ter sexo fora do contexto em que entregamos nossa vida inteira, exclusiva e permanentemente a nosso cônjuge. Qualquer outro uso do sexo não permite que ele seja aquilo que Deus o criou para ser: uma placa de sinalização de nossa união presente e futura com ele.
O sexo pode ser mais que uma emoção momentânea se o alinharmos no tempo e no espaço com aquilo para que ele aponta no futuro. Devemos usá-lo como maneira de dizer a outra pessoa: “Eu lhe pertenço completa, exclusiva e permanentemente”. Quando o fazemos, o sexo se torna não uma forma de obter prazer de alguém, mas um ato que produz união profunda, uma forma de amalgamar duas vidas humanas em uma só entidade e comunidade, e uma forma de moldar o coração para que ame sacrificialmente, como Jesus nos amou. Somente no contexto do casamento o sexo alcança seu pleno potencial de dar prazer e satisfação.
Portanto, o sexo, como o casamento, aponta para algo além de si mesmo. Se não virmos esse futuro e não depositarmos nosso coração nele, sexo e casamento sempre causarão amargas decepções.
2. O fim da história
É significativo que a Bíblia comece em Gênesis com um casamento, e que o propósito original que esse casamento devia cumprir fosse encher esse mundo de filhos de Deus. No entanto, Adão e Eva se afastaram de Deus, e o primeiro casamento não cumpriu seu propósito.
Quando chegamos ao fim da Bíblia, vemos a igreja “[descer] do céu, da parte de Deus, preparada como uma noiva adornada para seu marido”. Os reflexos de Gênesis são inequívocos. Mais uma vez, vemos Deus trazer uma noiva para seu marido, mas agora o marido é Jesus, e nós somos a noiva. No primeiro casamento, Adão não interferiu e não ajudou sua esposa quando ela precisou dele. Mas, no fim dos tempos, haverá outro matrimônio, o banquete de casamento do Cordeiro, e seu propósito também é encher o mundo de filhos de Deus. Esse casamento será bem-sucedido naquilo em que o primeiro casamento fracassou, pois, enquanto o primeiro marido na história falhou, o Segundo Marido não falha. O verdadeiro Adão, Jesus Cristo, jamais falhará com sua esposa, a segunda Eva, sua igreja.
Precisamos abandonar a ilusão de que “Se eu encontrar a pessoa certa e me casar, terei uma vida tranquila”. Não. Só existe uma “Pessoa certa”, que está à sua espera no fim dos tempos, no banquete. Quando você vir a glória de Jesus, ela compensará em proporção incalculável as experiências mais terríveis.
3. O fim do casamento?
R. T. France, em seu comentário sobre Mateus, faz uma pergunta que fica no ar quando ouvimos as palavras de Jesus. France escreve: “Aqueles que encontraram algumas das alegrias mais profundas da vida terrena no vínculo especial do relacionamento conjugal talvez fiquem desalentados de ouvir que devem deixá-lo para trás”. Contudo, France observa que os termos “casar” e “dar-se em casamento” usados por Jesus são dois verbos que se referem ao costume de o pai da noiva entregar a noiva e ao ato de o noivo recebê-la. Em outras palavras, Jesus está dizendo que essa formação ativa de pares no casamento não terá continuidade. Em seguida, France acrescenta:
Observe, porém, que aquilo que Jesus declara que será inapropriado no céu em relação ao casamento não é o amor. [Por que não pode ser que] os relacionamentos celestes consistirão não em algo menos que o casamento, mas sim, em algo mais [?] Ele não diz que o amor entre aqueles que foram casados na terra desaparecerá; anEm The four loves, C. S. Lewis fala de um trio de amigos — Jack (C. S. Lewis), Ronald (J. R. R. Tolkien) e Charles (Charles Williams). Quando Charles morreu, Lewis observou que, por consequência, ele não passou a ter “mais” de Ronald. Os aspectos de Ronald que Charles fazia aflorar tinham se perdido para Jack. Em outras palavras, quanto mais Jack compartilhava a amizade de Ronald com outros, mais ele a tinha para si mesmo. Lewis conclui que essa é uma imagem tênue dos relacionamentos perfeitos de amor que teremos no céu, em que ciúmes e egoísmo não existirão.
Portanto, a resposta para a pergunta apresentada pelos saduceus (De qual irmão a mulher seria esposa na ressurreição?) é: ela será esposa de todos eles, e mais. (Essa é uma boa resposta para quem ficou viúvo e, depois, também teve um bom segundo casamento.) A resposta é que cada um estará em um relacionamento de amor o mais chegado possível com todos os outros, pois o amor perfeito de Cristo fluirá para nós e de nós como uma fonte, como um rio.
Ainda estaremos com nosso cônjuge terreno no céu, na ressurreição? Sem dúvida. Observe Jesus, o primogênito dos mortos. Quando ele encontrou pessoas que ele conhecia, como no caminho para Emaús em Lucas 24, elas não o identificaram de imediato, mas depois o reconheceram. Ele ainda era ele mesmo, embora tivesse agora um corpo ressurreto perfeito. Seus amigos ainda eram seus amigos.
PARTE 3: MORTE
CAPÍTULO 7: O MEDO DA MORTE
Alguém disse que guerras e pragas nunca elevaram o número de mortes; sempre houve uma morte para cada pessoa, sem exceções. E, no entanto, parecemos muito menos preparados para ela que nossos antepassados. Por que será?
1. A bênção da medicina moderna
Um dos motivos é, paradoxalmente, que a grande bênção da medicina moderna escondeu a morte de nós.
“Mulheres tinham febre e morriam no parto, e bebês morriam de debilidade ou da severidade do ar. Homens morriam por causa de [...] rios e cavalos, touros, serras a vapor, engrenagens de moinhos, rochas de pedreiras, árvores que caíam ou troncos que rolavam. [...] Crianças perdiam a vida quando [...] coisas duras as esmagavam, como árvores e o solo ao serem atiradas ou caírem de cavalos; se afogavam em água; ficavam doentes, e dores de ouvido se espalhavam para o cérebro; ardiam em febre de sarampo, ou a pneumonia as levava de um dia para o outro.”
A morte era algo que as pessoas costumavam ver de perto.
No período colonial nos Estados Unidos, famílias perdiam, em média, um de cada três filhos antes que chegassem à vida adulta. E, tendo em conta que a expectativa de vida de todos naquela época era cerca de quarenta anos, muitos perdiam os pais na infância. Quase todos cresciam vendo corpos e observando familiares jovens e velhos morrerem.
A medicina e a ciência reduziram muitas das causas de morte precoce e, hoje em dia, a grande maioria das pessoas definha e morre em hospitais e clínicas de cuidados paliativos, longe dos olhos de outros.
É normal em nossos dias chegar à vida adulta sem nunca ter visto alguém morrer, ou nem mesmo o corpo de um morto, exceto de relance, em um caixão aberto durante um funeral.
Em Salmos 90.12, o salmista pede a Deus que nos ensine “a contar os nossos dias, para que alcancemos coração sábio”. Sempre houve o risco de os seres humanos viverem em negação de sua mortalidade. Claro que sabemos intelectual e racionalmente que vamos morrer, mas, lá no fundo, reprimimos esse fato e agimos como se fôssemos viver para sempre. De acordo com o salmista, agir desse modo não é sábio.
Consideramos até que conversas sobre morte são “de mau gosto” ou coisa pior.
Muitos no Vale do Silício têm obsessão por vencer a mortalidade e viver para sempre. Tudo isso significa que, hoje em dia, as pessoas são mais irrealistas e despreparadas para a morte que em qualquer outro período da história.
2. Felicidade deste mundo
Outro motivo pelo qual temos tanta dificuldade com a morte nos dias de hoje é a exigência da era secular de felicidade e realização neste mundo.
A cultura moderna é, portanto, a que se sai pior em toda a história na tarefa de preparar seus membros para a única coisa inevitável: a morte. Quando esse horizonte limitado de significado se une ao avanço da medicina, deixa muitos paralisados de ansiedade e medo quando confrontados com alguém que esteja morrendo.
Mark Ashton foi vigário da igreja anglicana St. Andrew the Great, em Cambridge, Inglaterra. Aos 62 anos, no fim de 2008, recebeu o diagnóstico de câncer inoperável na vesícula biliar. Em razão de sua fé e alegria em Cristo, demostrou grande confiança diante da morte, e até certa expectativa.
Ashton observou: “Nossa era é tão desprovida de esperança diante da morte que o tema se tornou tabu”. Ele foi a um salão em Eastbourne, onde puxou conversa com a cabeleireira que o atendeu. Quando ela “me perguntou como eu estava e respondi que havia sido informado pouco tempo antes que tinha apenas mais alguns meses de vida”, a cordialidade e a conversa cessaram. Por mais que eu tentasse puxar assunto, “não consegui extrair nem uma palavra sequer dela durante o corte de cabelo”.11 Em vez de aceitarmos a morte e nos prepararmos para ela, a evitamos e negamos.
3. A sensação de insignificância
O terceiro motivo pelo qual a cultura secular atual tem tanta dificuldade com a morte é o fato de que, ao redefinir morte como não existência, criou uma profunda sensação de insignificância.
O medo da insignificância diante da não existência precisa ser tratado de alguma forma. Becker cita antropólogos que dizem que os antigos tinham muito menos temor da morte e que a morte era “acompanhada de regozijo e festividades”. Como Becker acrescenta corretamente, embora o medo da morte seja um elemento universal da humanidade, os antigos lidavam com ela por meio da crença em vida e significado depois dela. Acreditavam na eternidade e, portanto, a morte era a “promoção máxima”. Nosso problema hoje é que “a maioria dos ocidentais tem dificuldade em acreditar nisso, motivo pelo qual o medo da morte é parte tão proeminente de nossa constituição psicológica”.
Ele argumenta que a importância exagerada conferida a tantas coisas na cultura moderna — sexo, romance, dinheiro e carreira, política e causas sociais — exemplifica as maneiras usadas pelas pessoas para buscar a sensação de relevância diante da morte sem ter de recorrer a Deus e à religião.
Como Becker, pensadores não cristãos do século 20 tinham consciência de que, à medida que a religião e a fé em Deus desaparecessem, a morte se tornaria um problema.
4. Medo de julgamento
O quarto motivo pelo qual temos dificuldade com a morte hoje em dia é a perda das categorias de pecado, culpa e perdão na cultura moderna. Friedrich Nietzsche declarou que a ideia e o sentimento de “dívida” ou culpa nasceram nos seres humanos junto com a crença em um Deus (ou deuses) transcendente ao qual devemos obediência.
Nietzsche dizia com satisfação que, à medida que a religião desaparecesse e cada vez mais pessoas deixassem de crer em um Deus de julgamento, ocorreria um declínio em nossa sensação de culpa. O ateísmo poderia até significar “uma segunda inocência”.
Wilfred M. McClay argumenta em “The strange persistence of guilt” [A estranha persistência da culpa] que a predição de Nietzsche não se cumpriu, mesmo que tentemos acabar com nossa sensação de pecaminosidade e culpa, ela persistirá e assumirá outras formas.
Como pastor, passei muitas horas na presença de pessoas que estavam morrendo. À medida que a morte se aproxima, elas fazem uma recapitulação de sua vida e sentem enorme arrependimento. O unbehagen, ou intenso descontentamento consigo mesmas, assume o primeiro plano. Talvez sintam culpa por algumas coisas não ditas ou feitas a entes queridos, por pedidos de desculpas nunca expressados ou recebidos, por bondades recusadas ou por grosserias cometidas pelas quais não podem mais pedir perdão, por oportunidades desperdiçadas ou mesmo por uma vida desperdiçada.
Nosso campeão
Em vez de viver com medo da morte, devemos considerá-la uma sacudida espiritual para nos despertar da falsa convicção de que viveremos para sempre. Em um funeral, especialmente de um amigo ou de um ente querido, ouça Deus falar com você, dizer-lhe que tudo na vida é temporário, exceto o amor dele. Essa é a realidade.
Tudo nesta vida será tomado de nós, exceto uma coisa: o amor de Deus, que pode nos acompanhar na morte, nos fazer atravessá-la e nos levar para os braços dele. Essa é a única coisa impossível de perder. Sem o amor de Deus para nos acolher, sempre nos sentiremos radicalmente inseguros, e devemos nos sentir dessa forma.
Para que Jesus nos salvasse, ele se tornou “pioneiro” de nossa salvação por meio do sofrimento e da morte. O termo usado aqui é archēgos. O estudioso da Bíblia William Lane diz que esse termo deveria ser traduzido por “nosso campeão”.
O campeão era o soldado que participava de um combate representativo. Quando Davi enfrentou Golias, os dois lutaram como campeões de seus respectivos exércitos. Travaram um combate na condição de substitutos. Quando o campeão vencia, todo o seu exército era vitorioso na batalha, embora nenhum dos outros combatentes houvesse levantado um dedo. Foi o que Jesus fez. Ele enfrentou nossos maiores inimigos, o pecado e a morte. Ao contrário de Davi, ele não apenas arriscou a vida, mas entregou a vida; ao fazê-lo, porém, derrotou esses adversários. O castigo que merecíamos por nossos pecados ele tomou sobre si em nosso lugar, como nosso substituto. Mas, uma vez que ele próprio era um ser humano de perfeito e impecável amor por Deus e pelo próximo, a morte não pôde detê-lo (At 2.24). Ele ressuscitou dos mortos.
Todas as religiões falam de morte e de vida depois da morte, mas, em geral, proclamam que temos de viver de forma correta a fim de estar preparados para a eternidade. E, no entanto, à medida que a morte se aproxima, todos nós sabemos que não chegamos nem perto de fazer o melhor que podíamos; não vivemos como deveríamos ter vivido. Consequentemente, por bons motivos, permanecemos até o fim escravizados pelo medo da morte.
O cristianismo é diferente. Não nos deixa sozinhos diante da morte, exibindo nosso histórico de vida e torcendo para que seja suficiente. Em vez disso, ele nos dá um campeão que derrotou a morte, que nos perdoa e nos cobre com seu amor.
Paulo não enfrenta a morte de forma estoica. Ele zomba dela. Como é possível alguém em sã consciência olhar para o inimigo mais poderoso da humanidade e zombar dele? Logo em seguida, Paulo dá a resposta: “O aguilhão da morte é o pecado, e o poder do pecado é a lei. Mas graças a Deus! Ele nos dá vitória por meio de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 15.56,57). De acordo com Paulo, o “aguilhão da morte” (como Hamlet diz) é nossa consciência, nossa percepção de pecado e julgamento diante da lei moral. Mas Cristo removeu o pecado e o julgamento ou, mais precisamente, tomou-o sobre si para todos que creem.
Donald Grey Barnhouse era pastor da igreja Tenth Presbyterian Church, na Filadélfia, quando sua esposa, com menos de 40 anos de idade, morreu de câncer e o deixou com quatro filhos. Quando Grey e os filhos iam de carro para o funeral, um caminhão enorme passou na pista da esquerda e projetou sobre eles sua sombra. Barnhouse perguntou a todos no carro: “Vocês preferem ser atropelados pelo caminhão ou pela sombra do caminhão?”. O filho de 11 anos respondeu: “Pela sombra, é claro”. Barnhouse concluiu: “Foi o que aconteceu com sua mãe. Somente a sombra da morte passou sobre ela, pois a morte em si atropelou Jesus”
CAPÍTULO 8: A RUPTURA DA MORTE
Se você tiver a felicidade de viver por muitos anos, deparará cada vez mais com a morte, não apenas de colegas, mas também de amigos, e não apenas de amigos, mas também de pessoas muito amadas. De acordo com 1Tessalonicenses 4, o cristianismo nos dá recursos extraordinários para lidar com nossa morte e também com a perda de pessoas que amamos.
Irmãos, não queremos que vocês [...] se entristeçam como o restante da humanidade que não tem esperança. Pois, cremos que Jesus morreu e ressuscitou e, portanto, também cremos que Deus trará juntamente com Jesus aqueles que nele dormiram (1Ts 4.13,14).
Observe que ele não diz: “Não se entristeçam”. Ele quer que os cristãos se entristeçam quando seus queridos morrerem, mas quer que o façam de um modo específico. Também não diz: “Em vez de se entristecerem, quero que tenham esperança”, nem “Não há esperança nenhuma, então é melhor chorar e se entristecer”. Antes, ele diz que os cristãos podem e devem se entristecer profunda e plenamente e, no entanto, fazê-lo com esperança. Como isso funciona?
Devemos nos entristecer
Devemos nos entristecer, e não adotar uma abordagem estoica. Embora a tristeza seja apropriada, pode se transformar em amargura; pode tornar a vida amarga e sombria e sufocar a alegria, a menos que seja temperada com esperança. O exemplo mais notável disso é Jesus no túmulo de seu amigo Lázaro em João 11. Jesus não foi até Maria e Marta, as irmãs enlutadas, e aconselhou: “Não fiquem assim. Nada de drama. Cabeça erguida. Sejam fortes”. Não falou nada disso. Quando Maria se dirige a ele, o texto nos informa no versículo mais curto da Bíblia que “Jesus chorou” (Jo 11.35). Ele não fala, mas apenas chora. E, então, quando Jesus vai ao túmulo de Lázaro (embora a tradução em nosso idioma não mostre claramente), o texto diz que ele “bufava de ira” (Jo 11.38).
Como é possível o Criador do mundo se irar com algo em seu mundo? Só é possível se a morte for uma intrusa. A morte não fazia parte do plano original de Deus para o mundo e para a vida humana.
Tudo está desfigurado, distorcido e quebrado, e a m