Carol 02/08/2021Impressões da CarolLivro: A pequena outubrista {2019}?
Autora: Linda Boström Knausgår {Suécia, 1972-}
Tradução: Luciano Dutra
Editora: Rua do Sabão
270p.
"A pequena outubrista" é desses livros que desnorteiam o leitor. Não por descrever um terror hipotético, distópico, mas por relatar fatos absurdos, que violam a dignidade humana. Fatos esses ocorridos na Suécia, país de IDH invejável, acima de qualquer suspeita.
Linda Boström Knausgård relata, nesse romance autobiográfico, o período entre 2013 e 2017, no qual foi submetida à eletroconvulsoterapia (ECT) - choques elétricos no cérebro - para tratamento da bipolaridade.
A ECT é raramente utilizada nos países europeus e mesmo no Brasil, pois é um tratamento muito invasivo, que afeta sobremaneira a memória do paciente. Ainda assim, a ECT é amplamente utilizada na Suécia e, em muitos casos, coercitivamente, sem o consentimento do paciente.
"Dezoito ciclos de tratamento. Não me lembro de muita coisa. De praticamente nada. Eles não se importam com isso. Me surpreende o fato de eu mesma me importar, mas eu me importo mesmo. Converso a respeito disso com o médico responsável de plantão nos dez minutos que me cabem. Nunca é o mesmo médico responsável. Ninguém quer ficar nessa enfermaria que cheira a medo e desconcerto." p.21
Num exercício de resgate dessas memórias perdidas, Linda descreve o cotidiano na "Fábrica" - o nome pelo qual ela se refere à clínica em que esteve internada - e as pessoas com quem teve contato, a maioria imigrantes.
Descreve seu relacionamento conturbado com a mãe, uma famosa atriz sueca e o casamento com o ex-marido, Karl Ove Knausgård - sim, ele mesmo, o escritor homem branco hétero que escreve sobre as dificuldades de ser um escritor homem branco hétero (nada contra).
Reflete, ainda, a escrita, o trabalho criativo, a maternidade, as inseguranças que sente ao estar ausente, por ser atravessada pela condição de bipolar.
É um relato honesto, seco, sem condescender ao leitor. "A Pequena Outubrista" é um livro potente de uma escritora talentosa, que se questiona: o que pode uma escritora incapaz de recordar, incapaz de reconstruir suas memórias?
Presente de minha amiga @pri_calado. A tradução de Luciano Dutra é direta do sueco. A @editoraruadosabao está de parabéns pela curadoria. Indico.