Luiz Gama

Luiz Gama Luiz Carlos Santos




Resenhas - Luiz Gama


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Andreia Santana 11/09/2010

As muitas vidas de Luiz Gama na luta pela liberdade
Repito aqui o texto da resenha já publicada na página do livro O advogado dos escravos, porque o texto analisa as duas biografias recentes de Luiz Gama e portanto, faz uma comparação entre as obras.

Um menino baiano, filho de um fidalgo com uma africana rebelde, foi vendido como escravo pelo pai, reconquistou a liberdade, serviu ao exército, trabalhou como escrevente de polícia, foi impedido (pela cor) de cursar a faculdade, mas ainda assim tornou-se poeta, jornalista e advogado. Embora sem diploma e anel, conseguiu resgatar 500 negros da escravidão em pleno Brasil imperial. Novela das seis? Ficção? Parece, mas esse menino existiu, chamava-se Luiz Gama e este ano, 180 após o seu nascimento e 128 da morte prematura, por diabetes, ganhou novas biografias, que resgatam a história de suas heróicas batalhas em defesa da liberdade nos tribunais.

Lançado pela editora Lettera.doc, O advogado dos escravos, escrito pelo também advogado paulista e mestre em Direito do Trabalho, Nelson Câmara, é um tributo às contribuições de Luiz Gama tanto para as causas da abolição e da proclamação da república, quanto para a história do próprio direito brasileiro. Aos aficionados por história, o livro traz um panorama do funcionamento do judiciário durante o segundo império e reúne farta documentação até então ainda não publicada sobre a vida de Gama.

Os pedidos de habeas corpus impetrados pelo chamado “apóstolo negro da abolição” em defesa dos cativos que batiam à sua porta pedindo ajuda; trechos dos seus discursos em defesa daqueles que por revolta tinham assassinado os senhores – ficou famosa a frase em que afirmava “Perante o Direito, é justificável o crime do escravo perpetrado na pessoa do senhor” -, os embates ideológicos em reuniões do partido republicano, a amizade com Castro Alves e Rui Barbosa, mais fotos e gravuras; além de cronologia e dos dados biográficos, completam o volume de 316 páginas, desdobramento de uma obra anterior de Nelson Câmara sobre a escravidão no império de D. Pedro II.

Filho de rebelde – Em O advogado dos escravos, está publicada também a íntegra da carta autobiográfica que Luiz Gama endereçou a um amigo, dois anos antes de morrer. No documento, ele conta que nasceu em Salvador, em um sobrado na freguesia de Santana, em 1830. Era filho da líder rebelde Luiza Mahim, envolvida na Bahia em diversas rebeliões como a Sabinada e a Revolta dos Malês. Seu pai, que ele nunca revelou quem era, tinha origem nobre, mas dilapidou a fortuna no jogo e na bebida, vendendo o filho para saldar dívidas.

Selo Negro – Além do livro de Nelson Câmara, este ano a memória de Luiz Gama ganhou ainda biografia da coleção Retratos do Brasil Negro, da Selo Negro Edições. Projeto coordenado pela mestra e doutora em sociologia pela Michigan State University (EUA), Vera Lúcia Benedito, a coleção tem o objetivo de abordar a vida e a obra de figuras de importância fundamental na cultura, política e militância negra. Além de Gama, já foram biografados personagens como Lélia Gonzales, Sueli Carneiro, Nei Lopes e Abdias do Nascimento.

A biografia de Gama na coleção foi escrita pelo jornalista e mestre em Sociologia Luiz Carlos Santos, que além de trazer os principais fatos da vida do poeta, jornalista e advogado, também publica a íntegra de alguns dos poemas mais famosos de Gama.

Falar de Luiz Gama sem paixão é impossível, uma vez que o próprio tinha fama de passional, temperamental e ao mesmo era um homem cativante. As duas biografias recentes dele, não negam que seus autores caíram de amores pelo biografado, ao tentar reunir o grande quebra-cabeças da vida de Gama em uma narrativa coesa e linear. Tanto Nelson Câmara quanto Luis Carlos Santos não disfarçam as convicções pessoais ao falar do quase mítico personagem.

Se por um lado é bom saber que um advogado escreve sobre a atuação de Gama nos tribunais e que um militante do movimento negro ressalta o engajamento social do “Orfeu de carapinha”; por outro, o comprometimento dos autores com o direito e a militância podem tornar a leitura das duas obras cansativa ou excessivamente politizada em alguns trechos. No caso do livro de Nelson Câmara, mesmo a obra sendo acessível aos não familiarizados com a linguagem jurídica, em algumas passagens, o jargão predomina e o leitor médio se confunde.

O mérito desses livros é o resgate histórico da figura de Luiz Gama e a contribuição para eternizar o legado de um dos pioneiros da abolição, da imprensa satírica e da poesia lírica afro-descendente no Brasil. Nelson Câmara, por exemplo, revela que Luiz Gama, embora atuasse com mais fervor para livrar da cadeia os escravos que cometiam crimes ou para alforriar homens, mulheres e crianças trazidos ilegalmente ao país após a extinção do tráfico por decreto, não fechava a porta de seu escritório a nenhum cliente pobre, mesmo que fosse branco. Em meio aos habeas corpus e petições redigidos por Gama, havia pedidos em prol de muitos europeus que haviam sido lesados por brasileiros. De quem não podia pagar, ele nunca cobrou um centavo. Nem dos escravos e nem dos brancos pobres.

Já Luis Carlos Santos resgata os poemas de Gama homenageando a beleza das mulheres negras com um lirismo típico dos românticos da geração de Castro Alves, embora o advogado negro fosse bem mais velho em idade. No mínimo, aponta para a necessidade de uma boa revisão no panteão de poetas representantes dos gêneros literários nacionais, demonstrando que existe uma tradição de poesia negra no país, nascida em pleno século XIX, pré-abolição.

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A reportagem/resenha acima também foi publicada no Caderno 2+, suplemento cultural do jornal A TARDE, em Salvador - BA, onde sou colaboradora na página de literatura.

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