Tuca 04/08/2020Uma amizade que começara na inocência da infância, em uma base militar em Okinawa, Japão, parecia ter sido apagada pela transferência do pai de Brad para San Diego. Mas quando sua família é enviada quatro anos depois para Rota, Espanha, onde seu melhor amigo Trevor também estava morando, Brad que estava transicionando para Shannon, não sabia se o garoto do seu passado poderia aceitá-la como ela realmente era. O medo era uma constante na vida de Shannon, principalmente após os inúmeros preconceitos que havia sofrido em San Diego. Ela não conhecia mais Trevor, e o temor de não ser compreendida por alguém tão importante era tão seu companheiro, quanto suas memórias de Okinawa.
Narrado com dois pontos de vistas, é a mente de Shannon o diferencial do enredo, ao trazer uma visão sobre a transexualidade que para mim era bem alheia. Por mais que já tivesse lido sobre o tema, eu nunca havia conseguido me aproximar dos sentimentos e do desenvolvimento psicológico da disforia de gênero como quando entrei em contato com as palavras da personagem, com as descrições de suas ansiedades, seus pânicos, seu processo mental e suas experiências sociais. Dentre as falas de Shannon uma que se destacou muito para mim foi sua explicação em relação ao gênero das palavras ao referir-se a si. Ela conta que às vezes de forma automática chamava-se no masculino, não pela identificação com o feminino não ser natural, e sim porque durante toda a sua vida ela havia sido condicionada a se tratar dessa forma, e a mudança do hábito, a quebra de padrões de comportamento, requer tempo, não apenas para aqueles ao seu redor, mas para ela mesma também.
Quando se fala em pessoas LGBTQIA+ , existe uma comunidade que constantemente é vista fazendo oposição: a igreja. Mas Lauren escolheu construir um personagem capelão que carrega os verdadeiros valores da fé, cumprindo realmente o papel de um líder, de pastor capaz de guiar o seu rebanho para o maior ensinamento cristão: “amar ao próximo como a si mesmo”. Com isso há uma “guerra” no livro entre a visão conservadora do grupo contra a mentalidade daqueles que realmente compreendem os ensinamentos escutados, o que só acrescentou à história.
Shannon foi escrita para ser uma personagem extremamente forte, com receios comuns de adolescentes, mas com desafios absurdamente maiores. E ela é enorme em toda a sua força. Porém Trevor não fica para trás, um rapaz puro, doce, fiel e corajoso, cujo maior defeito é meter os pés pelas mãos com atitudes impulsivas e discursos mal pensados.
Mesmo em meio a preconceitos tão pesados, olhares esnobes e obstáculos bastante impiedosos, esse romance adolescente ainda é embebido nos anseios de corações inocentes, nas descobertas do primeiro amor, na bondade e nas amizades sinceras.
Por fim, é importante ressaltar que o Brasil é um país extremamente transfóbico. Segundo a ONG Transgender Europe, o levantamento de dados entre os anos de 2008 e 2016 indica que o nosso país é o que mais assassina pessoas transsexuais. Livros como “De volta para ela” são uma oportunidade para o/a leitor/a ter mais conhecimento, ter mais empatia e se aproximar mais da transexualidade, enxergando a humanidade, as dores e dificuldades de pessoas que como todas as outras merecem ser respeitadas. O amor e o respeito ao próximo devem estar acima de qualquer preconceito e de qualquer ignorância, e esta é a essência da história de Trevor e Shannon.
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