Juju 27/02/2024
Vida
Em 13 de outubro de 1972, um trágico acidente de avião comoveu a população. Os 45 tripulantes da aeronave fretada pela Força Aérea Uruguaia, o Fairchild (F571) ainda precisavam ser encontrados ou pelo menos o que havia restado deles. Em uma realidade completamente inóspita e inimaginável, 26 indivíduos permaneciam vivos e isolados na região do Vale das Lágrimas entre a fronteira do Chile com a Argentina, no coração da Cordilheira dos Andes. Com temperaturas abaixo dos 30 graus, ferimentos graves e muita fome, os mesmos foram obrigados a criar uma sociedade cooperativa que lhes permitisse ressignificar aquela situação e enfrentar as mazelas que ainda estariam por vir, isto é, se quisessem sobreviver. As regras, a empatia e a esperança foi o que lhes permitiu seguir em frente apesar da dor. Ao final da jornada de 72 dias, restaram apenas 16 que representados por Roberto Canessa e Fernando Parrado, conquistaram sua liberdade e o resgate de volta à sociedade após uma extenuante caminhada de 10 dias. Durante muitos anos os sobreviventes se recusaram a falar abertamente sobre o assunto tendo em mente principalmente os sentimentos das famílias que perderam seus entes queridos. Este livro escrito por um grande amigo e companheiro daqueles que regressaram e também dos que não regressaram dos Andes, é em suma sua primeira declaração oficial contendo os relatos completos dos 16 sobreviventes que foram entrevistados. Muito mais do que uma história sobre tragédia e morte, essa é uma linda obra sobre as memórias de uma sociedade atípica, porém incrivelmente humana, empática e perseverante cujos indivíduos doaram-se ao máximo uns pelos outros a fim de manter viva a fé e a chama da esperança que lhes prometia dias melhores e uma saída daquele lugar. Portanto, é uma história sobre vida, inclusive sobre as vidas que ficaram para trás.
Essa obra ganhou notoriedade novamente muito por conta da nova adaptação da Netflix que concorre ao Oscar 2024 em duas categorias. A Sociedade da Neve é um filme dirigido pelo espanhol J.A. - vulgo Jota - Bayona. A preparação dos atores para as filmagens foi extrema, eles passaram vários dias na região da Cordilheira dos Andes com frio, medo e fome para se adequarem aos papéis magnânimos que teriam de interpretar. Este fato, aliado à presença e às entrevistas com os sobreviventes, torna a produção extremamente verossímil e incrivelmente tocante, abordada por um viés diferente que contempla sobretudo a vida e não a morte. Bem ao contrário do primeiro filme sobre o acidente que foi lançado em meados de 1993, aqui não temos exatamente um protagonista e sim um coletivo de almas que se apoiam, acalentam e se unem para enfrentar o impossível, é a força de seu amor que os permite continuar vivos dia após dia. E ainda que atos moralmente - aos olhos da sociedade da planície - tenham sido cometidos no processo, essa não é nem de longe a parte relevante e que merece ser destacada (por favor, parem de reduzir toda essa história ao fato de que eles se alimentaram dos próprios amigos mortos).
Estou citando o filme de A Sociedade da Neve, pois foi através dele que me comoveu, emocionou e marcou profundamente que eu tive o interesse de conhecer a obra que justamente o baseou. E sinto que foi uma experiência muito valiosa para mim, eu precisava ler algumas das coisas que estavam ali e aprendi lições que não sei exatamente mensurar, mas de alguma forma através dos relatos dessas 16 pessoas, eu saí transformada e com um novo olhar acerca do mundo. Um olhar mais grato, empático e positivo. Esperançoso, porém também realista e determinado. Todos temos as nossas próprias cordilheiras para enfrentar e a experiência é subjetiva, ninguém encara da mesma forma, a exemplo disso, os sobreviventes tiveram reações e interpretações diferentes sobre o que aconteceu nos Andes. Mas, ainda assim, cada um encontrou o seu próprio caminho com a certeza de uma coisa: não foi em vão.