Isis Costa 31/10/2022Macabro e sombrio demaisA trama é muito bem construída e do tipo que vai direto ao ponto. Já na página 35, muito na trama já tinha acontecido, tudo para pavimentar o caminho da família Creed, composta pelo pai Louis, a mãe Raquel, e os filhos Ellie e Gage (e o gatinho Church), que se mudam para uma cidade pequena no Maine, aonde o pai conseguiu um novo emprego, cuidando do hospital na Universidade local. Lá eles moram à beira da rodovia em uma casa grande, que faz divisa com um bosque, e do outro lado da rodovia fica a casa do casal idoso Jud e Norma Candrall.
O começo do livro é realmente desenvolvido para firmar os relacionamentos, principalmente a amizade e o carinho crescente que vai se desenvolvendo entre Jud e Louis, que chega a pensar no senhor idoso como uma figura paterna. Também entendemos o passado de Rachel e a seu complexo relacionamento com a morte, tudo devido ao trauma da morte, durante sua infância, de sua irmã Zelda. Confesso que a Rachel é uma personagem bastante difícil de se gostar, já como ela mesma admite que quando está assustada ou nervosa, se torna agressiva, coisa que automaticamente faz parecer que a personagem está somente dando um ?ataque de birra?, enquanto na verdade está se protegendo e tentando evitar de pensar e lidar em seus traumas.
"Provavelmente é um erro acreditar que exista um limite para o horror que a mente humana pode suportar. Parece, ao contrário, que certos mecanismos exponenciais começam a prevalecer à medida que o infortúnio se torna mais profundo. Por menos que se goste de admitir, a experiência humana tende, sob muitos aspectos, a corroborar a ideia de que quando o pesadelo se torna terrível o bastante, o horror produz mais horror, um mal que acontece por acaso engendra outro, frequentemente menos ocasional, até que finalmente a desgraça parece tomar conta de tudo. E a mais aterradora de todas as questões talvez seja simplesmente querer saber quanto horror a mente humana consegue suportar conservando uma atenta, viva, implacável sanidade."
O livro, traz em sua 1º parte bastante pensamentos sobre a morte e a forma como os personagens encaram a fragilidade da vida humana, enquanto a 2º já começa com os mesmos personagens reagindo a uma morta irreparável em suas vidas. Um acidente que muda tudo: Alguém é atropelado na porta de sua casa ao atravessar a rodovia, fazendo a vida de alguns personagens tomarem um curso cheio de desespero, afinal, perder alguém tão inesperadamente assim faz isso com qualquer pessoa.
A dúvida, começa com Jud explicando por que Louis não deveria trazer nenhum morto de volta. Quem não traria de volta dos mortos alguém que amasse e já se foi? Mas aqui temos um dilema que poderia ser moral: se você tivesse possibilidade de trazer de volta alguém que você ama, você faria qualquer coisa por isso, mesmo correndo o risco de não ter a pessoa realmente de volta? Um dos personagens aceita o risco. E a maior parte das pessoas provavelmente também aceitaria.
King mostrou que é capaz de entender diversos tipos de luto: algumas vezes ele aproxima as pessoas e, em outros casos, afasta, cada um vivendo seu sofrimento fechado em seu próprio universo de dor. A forma como os personagens começam a se afastar, até o ponto de um deles pensar por qual motivo teria de ser o único que deveria cuidar e ajudar os outros é de partir o coração porque te mostra o quão humano o personagem é, ao mesmo tempo que você sente nojo por seu egoismo.
Foi uma leitura maravilhosa. Se tornou o meu 1º livro favorito de terror por todo esses dilemas, sem contar a forma como o terror realmente está presente no livro. Não tem explicações demais e os personagens passam de extremamente difíceis de se gostar para personagens que podemos nos relacionar e imaginar que teríamos as mesmas reações em seus lugares. King mostrando porque é o Rei do terror.