Gabriel.Larrubia 05/09/2022
"certas canções que ouço
cabem tão bem dentro de mim
que perguntar carece
por que não fui eu que fiz?"
Já passei por coisas parecidas com das cartas mais vezes que devia, já escrevi cartas no tom dessas mais vezes do que eu gostaria (já que pra Maria Alcoforado cinco, ou o decorrer de um ano foi suficiente pra entender como deve ser o amor, a relação com seu próprio amor, o que as cartas no fim realmente são.)
É uma leitura muito curta, intensa e poética. Não existem originais da carta. Mesmo leituras em português são traduções de traduções, talvez seja um interessante objeto de estudo para se pensar tradução e literatura...
Me lembrou bastante carta ao pai, por serem cartas, mas também por todo amor, violência que se segue de perdão, compreensão numa conversa com o outro que é uma conversa consigo, já que as respostas possíveis do outro são antes, na carta, uma resposta sua.
Em carta ao pai na real não tem tanta violência, ou ela é bem calma, mas essas aqui mostram perfeitamente toda intensidade e contradições de um amor completamente absorto em si, a entrega absoluta.
No fim, tem uma auto consciência de que ao escrever à ele, Maria está antes, ou principalmente, ou somente (já que talvez o destinatário nem vá ouvir). Em todo percurso existe a valorização da dor, que normalmente é vista como algo negativo, mas aqui se explicita a dialética das coisas, o famoso "é melhor amar e perder do que nunca ter amado".
Enfim, um término "recente" em um momento eu tava sendo inundado pelos mesmos pensamentos, o que aconteceu, por que, coisas que a outra pessoa devia saber, o que era certo ou errado fazer e acabei escrevendo uma carta. Estava meio afastado da pessoa no momento então só guardei embaixo da minha cama, e assim que escrevi, esqueci o que tinha escrito e os pensamentos ruins me abandonaram por um tempo. No fim só joguei a carta fora.
Digo pensamentos ruins mesmo depois de falar do valor da dor porque, assim como Maria percebe no decorrer de suas correspondências, existem dores construtivas, que fazem sentido e são decorrência de coisas boas na vida, do amor (impossível não ao menos sentir uma saudade que te deixa mal quando se ama) mas também existem sofrimentos destrutivos, que apenas cavam mais seu buraco a troco de nada, matando seu tempo e saúde quando o outro nem quer saber de resolução, a resolução no fim terá que ser sua.
Não gosto muito dos termos "bom" e "ruim" pra rotular acontecimentos da vida, acho que são artificiais, porque mesmo esse último sofrimento destrutivo pode enfim ajudar a construir uma liberdade que não tinha como existir antes de Maria conhecer o amor. No fim tem um "obrigada por tudo mas também vai tomar 🤬 #$%!& "
Enfim, gostei muito de tudo, nem todo mundo vai ficar consciente dessa ambivalência de tudo, dos sentimentos "bons" ou "ruins", mas impossível não sentir isso, mesmo que talvez no fim muitos acabem ignorando ou discordando com como Maria sofreu, que foi bobagem, enfim, continua sendo um documento valiosíssimo e pelo menos no fim é algo que todos terão de lidar.
Essas cartas também inspiraram um dos escritos mais importantes da literatura portuguesa feminista, "novas cartas portuguesas", mas já falei demais, é isto.