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Inspirada na Obra Poética de Florbela Espanca




PREFÁCIO: FLORBELA ESPANCA, ENTRE A DOR E O ABISMO
Figura emblemática no panorama das letras portuguesas do início do século XX, Florbela Espanca nasceu em Vila Viçosa no Alentejo, a 8 de dezembro de 1894, de “pai desconhecido”. Suicidouse com Veronal, na véspera do seu aniversário, em 1930, após duas tentativas frustradas. Filha ilegítima de uma criada e de um comerciante casado com uma mulher estéril foi retirada à sua mãe biológica logo após o nascimento para viver com seu pai, que só a reconheceu oficialmente após a morte dela. Florbela e o irmão Apeles são criados por duas madrastas sucessivas. Apeles nascido três anos depois de Florbela, desaparece num trágico acidente de avião no Tejo em junho de 1927. Florbela Espanca, com a sua elevada sensibilidade, frequentou o ensino secundário e matriculou-se na Faculdade de Direito de Lisboa, o que é bastante raro numa sociedade androcêntrica que confina as mulheres ao espaço doméstico, submetendo-as à ordem patriarcal. Espírito em avanço para o tempo em que vivia, casou três vezes e divorciou-se duas vezes, o que rapidamente a transformou numa figura escandalosa.
Agustina Bessa Luís, que em 1979 escreveu uma biografia ficcionada sobre ela, apresenta-a como uma mulher “rebelde”, marcada por uma “neurose de abandono”. Em 1919, foi publicada sua primeira coleção Livro das Mágoas, seguida em 1923 pelo Livro de Soror Saudade, que foi recebido com indiferença geral. Se no século XIX as mulheres escritoras eram consideradas “monstros”, na década de 1920 o mundo literário ainda considerava as mulheres poetas como “intrusas” e reconhecia-as com dificuldade, referindo-se a elas pelo termo pejorativo “poetisas”. O discurso para elas é, na sua maioria, zombador, sexista e obtuso. Na verdade, aos olhos dos homens, a mulher que publica altera, perturba, transforma e degrada o campo literário pela sua mera presença. Marginalizada num ambiente literário altamente hostil, Florbela Espanca apropria-se desta margem e procura ali a sua identidade, lutando contra os estereótipos, preconceitos e arquétipos veiculados pela cultura misógina. Todo o seu trabalho, marcado pela dor de viver, baseia-se num processo de auto representação, revelando ecos de outros grandes poetas que a precederam, nomeadamente Antero de Quental e António Nobre. Nos seus sonetos, ela inventa múltiplas representações do Eu, ao longo de dois eixos essenciais, o da mística (a Virgem, a Dama Dolorosa, a Princesa Encantada), e o da erótica (a sedutora voluptuosa, a insaciável, a desencantada). Contemporânea de Fernando Pessoa, Florbela Espanca foi sempre uma estranha ao movimento modernista que se impôs em Portugal em 1915 com a revista Orpheu. Sua obra poética tem sido muitas vezes entendida como a expressão narcisista de uma inspiração neo-romântica, ou como a crônica comovente de uma tragédia premeditada, construída em torno de uma busca espiritual, mística e sensual, alimentada por temas de vagabundagem, perda, nostalgia do absoluto e revelando um gosto marcado pelo excesso. Seu universo lírico, constituído principalmente de sonetos, é dominado pelas questões do amor infeliz, encenando diferentes figurações de um sujeito atormentado, sempre em busca do Outro e de uma melhor compreensão do Eu, mas também capaz de expressar as contradições da paixão e do desejo erótico, com palavras de uma sensualidade mal compreendida na época, especialmente sob uma pena literária feminina. Na coleção póstumo, Charneca em flor, publicada em janeiro de 1931, logo após o suicídio que causou tal agitação, a palavra poética liberta-se do peso da conveniência, para evocar a exaltação de um corpo apaixonado e para expressar sem ambiguidade um desejo feminino que frustrou singularmente os valores morais. A obra de Florbela Espanca inclui ainda dois volumes de histórias, “O dominó preto” e “As máscaras do destino”, algumas cartas e um diário escrito no final da sua vida e também publicado postumamente (Diário do último ano). Uma especialista brasileira em sua obra, Maria Lúcia Dal Farra, reuniu seus primeiros textos inéditos em 1994 em um volume intitulado “Trocando Olhares” (19151917). A fissura de identidade e o drama familiar explicam em parte a instabilidade psicológica da poetisa, enclausurada no sofrimento, incompreendida e pouco admirada durante sua curta existência, mas transformada em lenda e mito por muitos leitores após a sua morte. Nos últimos anos, a sua carreira tem gozado de notável aclamação crítica. A publicação dos seus trabalhos completos no final dos anos 80 foi acompanhada por prefácios esclarecedores de José Carlos Seabra Pereira. Por sua vez, a Universidade de Évora organizou um grande simpósio internacional em 1994, cujos trabalhos, intitulados “A planície e o abismo”, oferecem leituras muito frutuosas. Cláudia Pazos Alonso, em 1997, publicou uma importante tese de doutorado sobre o tema das poetas, a fim de desmistificar sua imagem. Outros críticos, como Joaquim Manuel Magalhães e Anna Klobucka, oferecem uma leitura sublime do seu trabalho. Nos últimos anos, a figura de Florbela Espanca tem também inspirado muitos autores interessados na sua trágica biografia (Agustina Bessa Luís) ou nas suas contradições amorosas, transformando-a numa personagem fictícia (Teresa Veiga), objeto de discurso poético (Adília Lopes) ou heroína de várias peças (Alcides Nogueira, Augusto Sobral e Hélia Correia). No presente trabalho, Odette Branco retoma esta mesma tendência e oferece-nos, em três quadros, a paisagem psíquica de Florbela, “a irmã do sonho”, apresentando-a como uma pranteadora que nunca se recuperou da melancolia. A peça é construída em torno de um corpo solitário no limiar da morte, num duplo movimento que restaura, por um lado, certas presenças do passado para melhor as apagar e por outro, o peso de uma inelutável falta que só pode ser resolvida na morte, reduzindo a figura do artista torturado à duração do último momento em que o mesmo gesto diz ausência e mantém nele um sopro de vida. Descobrimos assim a profundidade do desespero da poetisa pouco antes do seu suicídio, através de um diálogo emocional com sombras do irmão mais novo falecido, o espectro do que ela era no passado, ou o do seu próprio Ideal, num confinamento que é também uma libertação. A progressão do texto de Odette Branco desdobra uma zona de invasão onde pouco a pouco o visível é apagado, os gestos são reduzidos, a identidade é aniquilada de modo a dar-nos uma ideia do momento mortal, que interrompe brutalmente a continuação do ser. Enquanto a angústia penetra no corpo dominado pela dor, a voz, no entanto, repete a doçura amarga do pesar e as estruturas do vazio numa imobilização absoluta de estar no coração de um desespero sem saída. A escrita da peça empresta o vocabulário lírico do autor encenado, numa espécie de mímica que visa estabelecer um diálogo intertextual capaz de desenhar os contornos de um devaneio assombroso a fim de mostrar a lógica apaixonada da queda e a agonia diante do inevitável, dando à medida das apostas ontológicas inerentes a um projeto de escrita e as manifestações do limite em si, através do uso de metáforas da passagem, o motivo da abertura (a noite, o sonho, o espelho, o livro oferecido ao espectador). O jogo teatral consiste em implantar um dispositivo cênico que mostra o sinal de uma ausência segundo um tom de litania que dilata brevemente a temporalidade, num confinamento circular que só espera o apagar de luz final. A plenitude do instante letal é tanto mais marcante quanto aponta o ser para o não-ser segundo um processo crepuscular já anunciado por um famoso soneto de Florbela Espanca, que aborda a morte nestes termos: Dona Morte dos dedos de veludo, Fecha-me os olhos que já viram tudo! Prende-me as asas que voaram tanto! Situada entre a dor e o abismo, a poetisa encontra finalmente o descanso no devir imóvel da morte, mas deixa-nos um legado, uma obra que deve ser relida e transmitida, a fim de lhe prestar uma merecida homenagem. MARIA GRACIETE BESSE

Biografia, Autobiografia, Memórias

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