Helena e Spartacus (Coleção Identidade)

Helena vive na velha casa da família, na companhia apenas de seu velho cão, Spartacus. Passa os dias com suas lembranças e as noites assistindo a programas repetidos na TV. Recebe visitas esparsas e repentinas da irmã e de outros fantasmas. Paulo, um amigo, ora próximo, ora distante, também a visita, mas não compreende suas fomes. Numa madrugada insone, como qualquer outra, Helena vai à cozinha buscar algo para comer e é surpreendida pelo comportamento de Spartacus.

"Você carrega no lombo o entulho da família, Helena.
Eu não. Não quero. Meu próprio fardo já me pesa demais. Quero ser humana sozinha. Na minha sala de visitas não cabem mais tantas pessoas. Nem na de jantar, na mesa da copa. Na cozinha, prefiro o silêncio da água fervendo na chaleira e o zumbido do gás saindo dos buracos do fogão. Sem vozes no meu juízo, calando nunca.
Não sou depósito de ninguém. Somente meu nome e minha tristeza são atávicos. O resto de mim, não. Renego herança que não pedi. Meu entulho é grande, mas é meu, não compartilho. Não me venham com os vossos, não me venham. Os dias solitários eu os consagro à Virgem quando acredito nela. Invento orações tolas, afugento pensamentos. Hoje amanheci descrente. (...)"

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