Fugados

Fugados José Lezama Lima


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O escritor cubano José Lezama Lima (Havana, 1910/1976), considerado um dos fundadores do neobarroco na América, emergiu internacionalmente com a publicação de Paradiso, em 1966. Além de uma extensa produção de ensaios e poemas, Lezama escreveu também contos singulares, que dialogam com o conjunto de sua obra e são aqui apresentados ao leitor brasileiro acompanhados de um “Autorretrato poético” em que se inscrevem, meridianos, os signos da ousada aventura poética e intelectual de um dos mais instigantes escritores de nosso tempo.

Josely Vianna Baptista, desde sua estreia em livro com Ar (Iluminuras, 1991), marca fortemente o traço feminino, indelével, de sua presença no melhor da nova geração da poesia brasileira. Destacou-se, também, entre nós, pela surpreendente proeza de transpor criativamente, para o vernáculo, o labirinto verbal neobarroco, hiper-gongorino, de Paradiso (1966), de José Lezama Lima (Brasiliense, 1987). Tradução radical, feita com o ânimo "transluminador" que me parece obrigatório em casos de prosa extrema (obras de arte verbal, como dizem os alemães, que possuem em seu vocabulário crítico a palavra Dichtung). O gesto tradutório de Josely supera de muito, em ousadia, as outras tentativas que compulsei de versão da proliferante e proteica obra-prima de Lezama (das traduções existentes, conheço a alemã, de Curt Meyer-Clason, e a norte-americana, de Gregory Rabassa). Ninguém mais habilitada, portanto, do que a jovem escritora curitibana, passada e repassada pelo fascinante e, muitas vezes, enigmático (até à obscuridade) Éden verbal lezamesco, para traduzir os relevantes contos primiciais do mesmo mestre cubano, espécie de síntese criolla de Mallarmé e Proust, numa só reencarnação hispano-falante, caldeada retrospectivamente no crisol luciferino de Don Luis de Góngora y Argote.

Retrospectivamente, afirmei. É que, de fato, o furioso neobarroco lezamesco é uma forma jubilosa de atualizar — repristinar — o passado na recepção reconfiguradora do presente (como, aliás, se dá, no caso de seu estroso e requintadíssimo discípulo de Camagüey, Severo Sarduy, já rococó em seus voos caligráficos de colibri voluptuoso; Severo, "monge da religião chamada Lezama", cuja morte recente tanto consternou amigos e admiradores pelo ecúmeno afora). Trata-se de uma resposta criativa, sincrónico-progressiva, reprocessada pela exuberante sensibilidade tropical cubana (tão afim da brasileira), ao aforismo iluminador de Walter Benjamin: "É irrecuperável, arrisca desaparecer, toda imagem do passado que não se deixe reconhecer como significativa pelo presente a que visa." Em seu posfácio, vazado em termos congeniáis ao modo lezâmico de escrever por meio de concreções imagéticas, Josely, com muita pertinência, assinala que a divulgação do "Etrusco de la Habana Vieja" (como a Lezama se costumava chamar) em nosso país está hoje ancorada no que poderíamos denominar, com Max Bill, uma "unidade tripartita". Constroem-na, por um lado, Paradiso e, agora, o poemario de contos Fugados; por outro, como bastidor teórico indispensável, os ensaios fundantes de La Expresión Americana, admiravelmente editados (traduzidos, anotados, prologados) por Irlemar Chiampi, especialista de renome internacional no autor cubano.

Na atual conjuntura das letras brasileiras, não é mero acaso, ao invés, faz muitíssimo sentido que a obra de Lezama — sua prosa novelada, perpassada pela jakobsoniana "função poética"; sua crítica poético-analógica, semioticamente icônica — obra armilarmente articulada como um orbe obsessivo, se venha impondo entre nós.

Haroldo de Campos

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Ygor Gouvêa
editou em:
11/01/2022 01:20:22

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