" A partir de dois espaços relacionais dedicados ao cuidado de crianças, creches, e "casas de tomar de conta", Camila Fernandes analisa os modos como esse trabalho se articula a escassez de serviços públicos oferecidos pelo Estado e aos modos como em contextos de favela os sujeitos criam suas próprias formas de organização social às margens do Estado. Descrevendo um universo em que discursos e práticas sobre o cuidado se produzem paralelos à criação de figuras associadas ao descuido: mulheres novinhas, mães nervosas e mães abandonantes, a etnografia mostra a persistência de ansiedades morais criadas na interseção de fantasias de raça, classe, gênero e sexualidade.
Portadoras de um estigma que a autora muito acertadamente relaciona com ideários coloniais, nela são ressignificadas noções de perigo e acusações sobre sexualidades desviantes e maternidades espúrias. O efeito é um jogo de responsabilização moral tanto na racionalidade burocrática como no senso popular que culpabiliza as próprias mulheres pela pobreza, violência e escassez que padecem e permite ao Estado evadir formas de gestão adequadas para comunidades historicamente submetidas a abandonos e governanças de morte. Através do acompanhamento dessas mulheres e de suas histórias, e por meio de uma descrição e análise visceral, este belo livro nos mostra relações tensas em mundos marcados pela precariedade, modos de vida em que as desigualdades e expectativas de gênero se combinam com visões racistas sobre os pobres e seus territórios. Figuras de causação precisa ser lido como uma importante contribuição à antropologia do Estado, aos estudos da interseccionalidade, mas sobretudo, como uma antropologia engajada que se posiciona contra a máquina política de extermínio e contra as técnicas corriqueiras de obliteração que muitos de nós reproduzimos." - María Elvira Díaz-Benítez
Não-ficção / Política