As torturas, as mortes e os desaparecimentos não foram produtos de excessos incontroláveis de agentes isolados da repressão. O Regime Militar no Brasil organizou-se para tal. Recrutou e adestrou agentes, criou repartiçções, destinou verbas, imaginou aparelhos e instrumentos, fiscalizou a perfeita execução dos serviços, premiou seus mais eficientes executores, obstruiu e impediu a limitada ação da precária justiça que tentou por vezes opor-se ao arbítrio. O estabelecimento de pena de morte para crimes políticos pela Junta Militar que em 1969 ocupou o poder, foi talvez o ato que mais claramente configurou, no plano jurídico, o caráter terrorista do Estado. No entanto, os detentores do poder encontraram motivações para recuarem da aplicação "legal" da pena de morte aos inimigos do regime e o que se viu, sobretudo no governo Médici, foi a aplicação da pena de morte de fato a grande número de opositores do regime. Foi a época em que se sucederam os "tiroteios", os "suicídios" e os "atropelamentos". São insubsistentes essas versões oficiais dos inúmeros casos de mortes por torturas e assassinatos friamente decididos e executados - como foi o caso da morte de Eduardo Leite, que teve sua "fuga" anunciada quando ainda se encontrava preso no DEOPS paulista, conforme testemunho dos sessenta presos ali recolhidos nesta ocasião, e posteriormente foi dado como morto num "tiroteio", "tiroteio" este que não poderia explicar jamais por que seu corpo, entregue à sua mulher, tinha as orelhas decepadas, os olhos vazados e os dentes arrancados.