"Apesar de ter sido publicado há cerca de duas décadas, Construir en lo construído mantém uma actualidade desconcertante, tendo conseguido avançar, antes do tempo, uma sistematização conceptual sólida, e de certo modo instrumental, sobre a forma de analisar a cidade antiga numa perspectiva de reconciliação da consciência da história com a prática arquitectónica contemporânea. Na realidade não se trata de uma obra muito divulgada, embora o seu objecto tenha vindo a ser gradualmente foco de interesse por parte de muitos arquitectos e urbanistas que projectam sobre a cidade consolidada.
Partindo da ideia de que construir sobre uma pré-existência equivale a definir uma forma num lugar que já tem forma - de modo que essa acção supõe uma modificação do locus - o autor baseia-se em diferentes hipóteses de trabalho que consideram a possibilidade de se construir nas zonas históricas e na cidade consolidada de acordo, e em função, das condicionantes culturais e produtivas contemporâneas.
Na primeira parte da obra defende a ideia de que as referencias ao contexto formal devem ser formuladas no mesmo plano que a noção de estrutura, distanciando-se assim das abordagens referenciadas ao ambiente (urbano) e à paisagem urbana. Estabelece, também, a diferença entre um urbanismo caracterizado pelo desenvolvimento expansivo da cidade e um urbanismo dirigido à gestão da cidade consolidada - entendendo-a como um bem social que deverá sempre ter uma projecção para o futuro; neste sentido, segundo o autor, a intervenção na cidade consolidada e nas zonas históricas, e a nova arquitectura nestes contextos, deverá ser capaz de salvaguardar e organizar essa projecção para o futuro, aceitando que a incorporação de uma nova arquitectura implica sempre uma dimensão crítica. O autor problematiza também o papel do movimento moderno em contraponto com a prática integradora da Städtebau (construção da cidade).
Na segunda parte Francisco de Gracia, reconhecendo a importância de uma ordem na construção da forma urbana, propõe uma abordagem mais complexa – e mais de acordo com a própria complexidade da cidade nas suas múltiplas relações - baseada no fascínio pelo heteróclito - pondo em causa as certezas da geometria regular, ou da repetição modular e das repetições rítmicas e sequenciais, e remetendo para outras realidades, em operações de desenho dirigidas para a procura da multiplicidade das relações aparentemente escondidas.
A obra termina com algumas conclusões e propostas teóricas à volta do desafio formal que construir sobre o construído sempre supõe, apresentando uma miríade de exemplos concretos (aliás toda a obra está repleta de exemplos) que ilustram uma estrutura de análise esquemática e operativa em três domínios – os níveis de intervenção, os padrões de actuação e as atitudes face a diferentes contextos – cuja diversidade constitui uma realidade complexa de cruzamento de várias alternativas de abordagem." (Manuel Lacerda, arquitecto)
Arquitetura e Decoração