Télumée Lougandor é uma força da natureza, cheia de vida e dotada de uma alegria inata, sempre posta à prova por sua condição de mulher negra em Guadalupe. Em Chuva e vento sobre Télumée Milagre ela conta sua história e a de suas ancestrais. O romance é da escritora guadalupense Simone Schwarz-Bart, uma das vozes mais importantes da vigorosa literatura do Caribe, ao lado de nomes como o da romancista Maryse Condé e do pensador Frantz Fanon. Este volume tem tradução de Monica Stahel, ensaio do escritor brasileiro Itamar Vieira Junior e um posfácio de Vanessa Massoni da Rocha, especialista na obra da autora. Para Vieira Junior, o romance intensamente poético de Schwarz-Bart revela “uma cosmovisão de mundo profunda narrada com grande paixão”. Para ele, “a narrativa dessa linhagem de mulheres carrega a história de um continente inteiro”.
Télumée carrega consigo o conhecimento de um ambiente complexo e das armadilhas que lhe reservam a persistência da espoliação colonial e da lógica patriarcal. A sabedoria vem de uma linhagem feminina que remonta a sua bisavó. São quatro gerações de mulheres fortes, determinadas e forjadas por uma história de adversidades. “Há não muito tempo”, conta Télumée, “meus ancestrais foram escravos nesta ilha de vulcões, ciclones e mosquitos, de mentalidade perniciosa”. No entanto, ela não está disposta a remoer a “tristeza do mundo”.
Trabalhadora da terra em Fond Zombi, onde a família Lougandor tem sua porção de terra cercada por um canavial, Télumée é criada pela avó, Toussine, conhecida pelos homens da comunidade como Rainha Sem Nome. É de Toussine que vem a serenidade e a compreensão do mundo, às vezes dura: “Atrás de uma dor há outra dor, a miséria é uma onda sem fim, mas o cavalo não deve te conduzir, é você que deve conduzir o cavalo”.
Das agruras de suas relações muitas vezes brutais com os homens, Télumée encontra alívio na relação com a feiticeira man (madame) Cia, a madrinha que teria poderes extraordinários como se transformar em animais. A jovem negra se cerca de um panteísmo animista que dá o romance também o caráter de uma jornada espiritual.
Depois de humilhada ao procurar um trabalho doméstico na casa de brancos, Télumée encontra alívio nos tempos de clima favorável às plantações e no casamento com Élie, agricultor e filho de um ancião respeitado na comunidade. “Cada um parecia sopesar a vida, pôr na balança a miséria do negro, sua loucura e sua tristeza congênitas e depois o contentamento misterioso que às vezes dão ao olhar a natureza, o mar, as árvores, um homem feliz”, narra a protagonista. Mas sua situação, assim como o tempo de colheita, logo desaparece. É hora de retomar as rédeas do cavalo.
Ficção / Literatura Estrangeira / Romance