Gershom Scholen (1897-1987) revolucionou com seus estudos sobre a Cabala e o messianismo a historiografia judaica. Para ele, desvincular o judaísmo desses movimentos místicos, utópicos e de suas representações mitológicas era fazer com que perdesse uma das principais fontes de seu poder de revitalização e de renovação históricas. Na verdade, é fato hoje reconhecido que o ingresso efetivo, com validação científica, dessas manifestações específicas da historicidade do povo da Bíblia na pesquisa e nos currículos acadêmicos internacionalmente aceitos se deve ao infatigável perqueridor de alfarrábios que foi Gershom Scholem e, mais ainda, ao seu afiado espírito crítico. Numa conjugação ímpar de investigação documental, rigor conceitual, penetração teológica, percepção política e saber erudito, soube estruturar o complexo jogo dialético que presidiu procesos e momentos nodais da história dos judeus.
Estudando a oposição de Scholem à Wissenschaft des Judentums, a Ciência do Judaísmo gerada no século XIX pelo pensameno racionalista e positivista e ainda dominante entre os scholars judeus de sua época, David Biale, em "Cabala e Contra História", fornece ao seu eitor uma chave mestra para a compreensão das categorias e da dinâmica articuladoras da concepção scholemiana, ou seja, aquela que recebe aqui o nome de "contra-história". Nela, a tradição torna-se objeto de um novo entendimento que não a invalida, mas a reintegra, revista no sentido de sua contraposição heterodoxa à corrente oficial, como agente do devir histórico e de suas cristalizações marcantes.
É a instigante visão desta interpretação que se abre ao público de língua portuguesa em "Cabala e Contra-história: Gershom Scholem", livro ora publicado pela editora Perspectiva, em sua coleção Estudos.
J. Guinsburg
Filosofia