Os carcarás estão desnutridos. Deus e o Diabo foram embora da Terra do Sol e se esqueceram dela. Globalizaram o sertão do sertanejo, e ele já não consegue morar em lugar nenhum sem viver contrariado. É nesta atmosfera insólita que este blues se desenha. É a partir do delírio causado pelo sol na cabeça que nasce cada poema escrito por Aliedson Lima. E aqui falo de um poeta que abraça “fraternalmente o absurdo / nosso de cada esquina”, tecendo versos “sobre o rinoceronte enclausurado que ataca as grades do meu peito”. Do nosso peito.
Não há mais tempo para a poesia. Eu sei disso, o leitor que tem esta obra em mãos provavelmente já alimenta uma ideia parecida, mas o poeta jamais pode abrir mão do seu delírio em prol da realidade. Afinal, é a alucinada vontade de se agarrar à poesia, quando tudo parece se aproximar de um fim, o que o move adiante. Esteja ele desafiando a Deus, ou sucumbindo ao poema com “a navalha nos dentes”, como “alguém que desaprendeu a chorar / e que sorri pra alimentar a desesperança”.
Por falar em Deus, ao ler Aliedson, podemos nos perguntar se Ele existe mesmo ou se é apenas um primoroso recurso literário. Percorrendo as suas linhas, refletimos sobre a possibilidade de a literatura universal poder ser encontrada no meio do mato, sorrimos diante do amor inocente e até nos questionamos, vez ou outra, se a literatura regional pode existir em centros urbanos. É provável que terminemos a leitura quase sempre sem respostas, mas não é para encontrar respostas que lemos poesia
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Aliás, para que lemos um poema? Para que “não esperemos mais pelo tempo”? Para que possamos não mais respirar pela boca? Eu sinceramente não sei. E é por isso que continuo a ler este blues do homem contra o sol mesmo quando ele está longe de mim.
Matheus Peleteiro, escritor e editor.
Literatura Brasileira / Poemas, poesias