As relações são formalmente intermediadas, nas sociedades contemporâneas, por instrumentos, dentre estes o direito, que se apropriou da responsabilidade de dar respostas confirmadoras da simetria entre todos e, portanto, pacificadoras dos conflitos. Ocorre a juridificação, termo usado para designar a propagação do direito e das soluções jurídicas a um número cada vez maior de domínios da vida social e econômica. As relações médico paciente inserem-se neste âmbito, com algumas vantagens para todos, mas também com muitas frustrações; dentre estas, ressaltam a substituição de um vínculo de confiança do paciente com o médico por outro marcado “pela desconfiança calculada”. Não se pode ignorar, porém, que a juridificação ou a excessiva submissão de aspectos da vida à formalidade da lei apresenta também consequências negativas, na medida em que sujeita a intensa diversidade da existência humana a um padrão único de solução, impedindo, portanto, soluções criativas, não litigiosas, alcançadas por parcerias na vida. A autonomia do paciente trouxe consequências inusitadas, permitindo que o médico possa lavar as mãos diante de pedidos de não intervenção, como um ato de respeito à liberdade do outro, algumas vezes duvidoso, cujo limite no polo positivo é eliminação da vida para a eliminação do sofrimento. A sociedade do hedonismo não reservou um lugar para o sofrimento de qualquer natureza. A cultura individualista impôs aos seus membros um tal dever de ser feliz que parece não haver espaço para doentes, deprimidos, enfermos ou idosos. Vulneráveis, enfim. Entre a intervenção arbitrária sobre o paciente e a omissão do dever de assistir, o direito penal procura, sem muita consistência, assegurar o equilíbrio de tutela à liberdade e também da vida.
Direito / Medicina e Saúde