As Chaves do Reino

As Chaves do Reino A. J. Cronin
A. J. Cronin


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As Chaves do Reino


Coleção Sagarana nº 30




A.J. CRONIN: AS CHAVES DO REINO -- O Concílio Vaticano II começou no início dos anos sessenta, mas só em meados da década, com Paulo VI, atingiria a sua mais elevada expressão ecuménica, abrindo janelas, revolucionando costumes, submetendo as regras, até certo ponto, ao primado da fé e do sentimento. Só muito mais tarde ainda, porventura nos anos 80, se falará da Teologia da Libertação, tanto no correctíssimo ideal de se pôr sempre do lado dos pobres, como na sucessão de erros e equívocos bem-intencionados em que se terá deixado capturar.

Ora, este romance é dos anos 40. Mais precisamente, de 1941: que o protagonista de As Chaves do Reino seja o comovente Padre Francis Chisholm, cuja vida ilustra a fórmula «Ama e faz o que quiseres» [Santo Agostinho] torna-o, tantos anos antes dessas experiências da história da igreja católica, o precursor contemporâneo de uma ânsia de retorno à autenticidade cristã, a um espírito de fraternidade e a um despojamento, preparado para aceitar e compreender mesmo o mais longínquo, se é que faz sentido crer que «na casa do Pai há muitas moradas...»

Minha mãe, que há muitos anos lera, e amou, este livro, confidencia-me agora que, justamente entre as senhoras da Acção Católica Portuguesa, a que pertencia, a obra causou furor, e as atitudes intempestivas do Padre Chisholm eram debatidas e, em última análise, duramente criticadas. Por exemplo: que ele tivesse aceitado deixar morrer o seu grande amigo sem lhe conceder a extrema-unção, por respeito pela dignidade do ateu convicto que este fora em vida. Acredito que, em certos meios, ainda hoje tal gesto pudesse consternar.


A predisposição de Francis para o amor, que o leva a ser um amigo genuíno do mandarim Chia [a quem também recusa uma "conversão insincera", motivada pela gratidão], ou de um casal de Pastores protestantes norte-americanos, que se esperaria que viessem a ser seus rivais, senão inimigos, na obra de evangelização entre os chineses, revela a grandeza e a rectidão dos sentimentos e da intuição cristãos que o impelem: ao contrário dos homens da hierarquia, finos e delicados, eficazes e diplomáticos, em busca de uma competência profissional da igreja, traduzida em números de convertidos ou na extensão física da missão, como se tudo se resumisse ao cumprimento de objectivos empresariais; retóricos de discurso elegantemente burilado, reféns da preocupação de agradar.

Trata-se, no mais amplo sentido da palavra, de um romance de caracteres. Múltiplos, humaníssimos, seres intimamente bondosos mas com pecados, ou viciosos que, no fundo, se defendem a seu modo da vida, gente que percebemos que se vai transformando, ou poderia transformar-se. [Nem sempre, aliás, a transformação coincide, em todos eles, com uma evolução; mas só raramente não vemos nestas personagens alguma possibilidade de bem e de salvação]. À medida que no-los apresenta, define, através deles, uma visão completa de todo um mundo, toda uma época e toda uma cultura. A estreita aldeia escocesa, primeiramente, num ambiente piscatório, de onde será transplantado, aquando da trágica morte de seus pais, para uma família mesquinha e arrivista, da qual o salvará mais tarde a tia Polly. Por fim, a aprendizagem e a formação da sua vocação, nos primeiros contactos com o preconceito e o maquiavelismo, que lhe repugnam, de professores e estudantes.

Estes ambientes são tão bem caracterizados que, por um momento, o leitor sente que vai perder algo disto, destas pessoas, deste mundo, quando Francis Chisholm é enviado para a China. Grave engano! Os capítulos sobre a sua vida na China são de uma intensidade dramática que nos exalta. A dureza da sua fixação em território inóspito, a constante aventura em que se converte uma vida que tão pouco e tão poucos tem para se expandir, a relação impossível com a aristocrática e arrogante madre que o virá ajudar na missão, a força de amizades improváveis, contra tudo - a fome, as doenças, os ataques movidos por cruéis senhores da guerra - devolve-nos o melhor do cristianismo: num homem rude e impaciente, tão avesso à pieguice como à ostentação, completamente falho de outra diplomacia que não a de uma alma que se entrega totalmente e sem subterfúgios, encontro - eu, eterno insider-outsider do cristianismo - a empolgante vibração da Boa Nova.
[Publicada por José Pacheco, quarta-feira, 31 de Julho de 2013 às 09:38 no blog "profissão:leitor"). === http://pdfe-books.blogspot.com.br/2012/03/j-cronin-as-chaves-do-reino.html

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