Arroz queimado

Arroz queimado Vinícius Canhoto...


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Arroz queimado





Arroz Queimado (ou Memórias de minha loucura) de Vinícius Canhoto & Alberto Lazzarini é um romance “cinematográfico”. Perturbador e comovente, suas seqüências são tomadas “ao vivo”, em uma montagem dadaísta de fragmentos de desejos, projetos, rupturas da subjetividade, em que o narrador transita a personagem e as personagens à ficção dentro da ficção. Mitologias, estrangeirismos, história individual e coletiva, vigários, “americanização” dos costumes, reclames antigos de pamonhas, a insolação das telas de Van Gogh entrecruzam-se com o arroz queimado, telefonemas nervosos, telenovelas, em uma dramaturgia que os converte em labirinto de uma história a ser escrita e que já é escrita na indeterminação do agora. Embaralhando a continuidade temporal, tudo já aconteceu, vai acontecer e está acontecendo.

Se o arroz queimou na panela, foi por que que o tempo se demorou e se excedeu. Tempo da acídia, dos “demônios do meio-dia”, da loucura, é o tempo da comédia humana alegorizada no vilarejo de Santa Fé, renomeado, em tempos de secularização do mundo, de Brigitte Bardot que “apesar do nome, nunca teve ou teria cinema”. E o prefeito que era chamado “de pai-de-santo” porque “apenas fazia trabalhos no centro da cidade”. Não por acaso, neste livro, o humor inteligente faz da loucura um logos, o da lucidez que enfrenta o tempo que saiu dos gonzos: trabalho alienado, amores desencontrados, traição, vendetta, esperanças decepcionadas, tudo vai dar no manicômio: “as portas se abriram como um grande abraço.”

Microcosmo, o hospício é um panóptico cujo vigia central é um psiquiatra com delírio de poder, em que o encarcerado concentra as dores de todos, na co-presença de códigos antinômicos, o do luto e do lúdico: “quero esquecer todas as humilhações que passei, como o Santos sem o Pelé”.

No manicômio, a loucura protege a liberdade, porque a razão pode estar fora do centro. Se todos os caminhos levam ao manicômio, as estradas de ferro “não levam a lugar nenhum”. Tão somente nessa atopia, o mundo desconcertante poderia se expressar, nesse entre-meio mágico e realista que procura o mistério das filiações. Narração de um apocalipse, “o silêncio antecede à explosão dos mundos.”

Se o arroz queimado evoca o tempo perdido, a memória da loucura é a do tempo que se encontrou ou se perdeu? Este r0omance respeita o enigma.



Olgária Chain Feres Matos: professora de Filosofia (UNIFESP e USP), autora de Discretas Esperanças; Filosofia: a polifonia da razão; O iluminismo visionário; Os arcanos do inteiramente outro; Paris, 1968: As barricadas do desejo; entre outros.

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Ficção / Literatura Brasileira / Romance

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