Água de mortas

Água de mortas Isadora Salazar


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Água de mortas





A voz da narradora desta novela, Marina, brilha numa constelação em franca expansão no universo literário: a dita Literatura Feminina. O momento crucial que o mundo vive, e particularmente o Brasil, acossado por uma justiça corrupta e serviçal do capitalismo, fez com que o movimento feminista experimentasse desde 1968 seu momento mais fulgurante, e a Literatura, a exemplo dos demais meios de expressão artística da Humanidade, registra isso.

Água de Mortas é escrita a partir de um lugar de fala muito peculiar, o da mulher envolvida, a contragosto, no esquema patriarcal, aqui representado por um judiciário venal de um ambiente rural embrutecido. Marina, mar, Maria, princípio feminino, é subjugada por essa força incontornável, mas rebela-se e causa a erosão de todo o sistema. Dr. Prado, o pai freudiano, que tem um envolvimento pra lá de incestuoso com a filha, a mãe, Dona Rosa, expressão de um feminino que compactua com o machismo secular, o desembargador a quem Marina serve num escritório, o marido corrupto que manipula o judiciário através do capital e, por fim, o amante, que na resolução do enlace, se torna, de menino pobre e negro e excluído, um policial ao melhor estilo Laranja Mecânica. Ou seja, um Estado kafkiano onde o jurídico e o policial compõe esta equação cruel que domina o Brasil desde o descobrimento, ou desde o início do romance nacional, com as memórias daquele sargento de milícias que, filho de oficial de justiça, gozava de qualquer prerrogativa mas, apesar de partícipe do judiciário se vê na mão do policialesco representado pelo Vidigal.

O universo de Marina é como a maré de mortas, maré vermelha, um caldo de algas apodrecidas, de mangue, onde a morte exala seu odor mais deletério. É uma espécie de mênstruo caudal, negro e fétido, como o lamaçal sobre o qual as palafitas da pobreza se erguem. Marina vai lá, presencia um crime, negaceia, cala, cede e por fim denuncia: cospe no sistema e, se sucumbe ao fim de tudo, o faz fertilizada pela dor e a delícia de ser o que é. Metáfora do que ocorre em nível federal no presente momento, Água de Mortas nos aponta, com sua escritura singular, da escola das escritoras que aprimoram o caminho pavimentado por Hilda Hilst, que a salvação contra a falência deste Brasil machista, escravagista, latifundiário e branco talvez esteja no poder da mulher.

Ficção / Romance

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