A morte de Lorca

A morte de Lorca Ian Gibson

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A morte de Lorca





Quando a notícia do desaparecimento e da execução de Lorca chegou a Madri, no final de agosto de 1936, seus amigos de imediato pensaram-na triste obra da Guarda Civil. Devia ter sido morto por ela, pensaram. Mas não foi. Desencadeado o golpe do General Franco, no 18 de julho daquele ano, Lorca sentiu-se terrivelmente inseguro. Ele havia participado, nos princípios dos anos 30, da trupe La Barricada - apoiada pelos esquerdistas do Ministério da Educação republicano - para levar ao povo peças do teatro clássico espanhol. Uma versão antecipada do CPC da UNE nos tempos de Goulart (1961-64) e de outras experiências anteriores, feitas em períodos revolucionários. Comprometeu-o ainda mais a sua declaração em uma conferência de que, se a força dos acontecimentos o obrigassem a ter que optar, preferia perder seu direito de fazer versos desde que a justiça social fosse implantada. Foi o que bastou para incorrer na ira da direita. Tornou-se um homem marcado. Um poeta identificado com a odiada Republica de Trabajadores, que sucedera ao colapso da monarquia de Afonso XIII, em 1931.



Além disso, sua trilogia teatral - "Bodas de Sangre", "Yerma" e "La Casa de Bernarda Alba" - revelou um cenário desalentador dos costumes da Espanha tradicional. Preconceito, vingança, fanatismo, machismo, tirania materna e padecimentos femininos, denunciavam o esclerosamento social e a sobrevivência, em pleno século XX, de um arcaico código de honra que paralisava e infelicitava o país.



Lorca, enfim, com Dali na pintura e Buñuel no cinema, era a brisa da modernidade, do contemporâneo, soprando sobre uma Ibéria devota, carola, atrasada, reacionária, obcecada pelo seu passado imperial, há muito morto e sepultado. Juntamente com Rafael Alberti, Jorge Guillén, Vicente Aleixandre e Cernuda - a celebrada Geração de 1927 - Lorca foi renovação da poesia e da prosa espanhola, espantando a retórica acadêmica e o bolor parnasiano que ainda cobriam de mofo o belo idioma espanhol.



Jorge Luís Borges achou-o muito folclórico, "muito andaluz", quando o conheceu nos anos 30, em uma histórica viagem que o poeta fez a Buenos Aires. Mas Lorca, ao tornar-se o menestrel da Andaluzia, procurava encontrar na sua terra natal uma estética própria, síntese da miscigenação cultural intensa daquela região do sul da Espanha. Meio moura, meio cristã. Indecisa, culturalmente, entre ser da África ou da Europa.



Viviam lá os descendentes de árabes, de ciganos, de judeus conversos e dos conquistadores castelhanos. Os poemas de Lorca elegeram gitanos, toureiros, dançarinas do flamenco (possuídas pelo duende) e violonistas de acordes demoníacos, cujas alternâncias sonoras, entre a exuberância e a melancolia, celebrou com sua verve lírica e estranha rim.



Com Manuel de Falla, o consagrado compositor, Lorca compôs em 1922, na Fiesta del Cante Jondo, antigos fandangos e malaguenhas, tendo ao fundo o som das guitarras granadinas. E, uns anos antes, em parceria com a dançarina e cantora popular La Argentinita estreou, sem sucesso na época, o musical apimentado "El malefício de la mariposa"(1919). Lorca procurou fazer da cultura andaluz uma temática universal (o que para o gosto de Jorge Luís Borges recendia a populismo estético).





Bailarina de flamenco (desenho de Lorca)

Lorca intuiu seu fim violento. Nada estranho para quem publicou o devastador poema "La Balada de la Guardia Civil", a temida instituição repressora criada no século XIX para combater bandidos e que se tornara um braço da reação. O poeta viu-a com os olhos dos ciganos, dos marginalizados, dos perseguidos em geral. Retratou-a integrada por cavaleiros da morte que, sorumbáticos, implacáveis e desumanos, assumiam uma expressão de chumbo (de plomo las calaveras). Imagem viva do arbítrio e da injustiça do cotidiano espanhol daquela época.



Ao eclodir a Guerra Civil, em 18 de julho de 1936, Lorca, inocentemente, pensou que, partindo de Madri e refugiando-se na sua nativa Granada (nascera em um lugarejo próximo, chamado Fuente Vaqueros, em 1898), estaria cercado de amigos. Calculou que ali não o tocariam. Um mês depois da sua partida da capital, no dia 19 de agosto de 1936, uma vingativa volante de milicianos fascistas o retirou à força da Casa de Huerta de San Vicente, em que buscara abrigo, para um "paseo" sem retorno. Quinze anos antes, no poema premonitório "Lamentación de la muerte" (Lamentação da Morte), registrou: "Vim com os olhos a este mundo e me vou sem eles". De fato, antes de passá-lo pelas armas e de atirarem nele pelas costas, vendaram-lhe a vista! Mataram-no daquele modo porque Lorca era homossexual. Ele mal completara 38 anos.

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Evandro
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14/01/2010 22:23:50

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