@fabio_entre.livros 14/01/2020
O (novo) Prometeu moderno
Se o subtítulo “O Prometeu Moderno” já não pertencesse ao clássico “Frankenstein”, ele seria perfeitamente apropriado a “O caso de Charles Dexter Ward”. Como no romance de Mary Shelley, Lovecraft parte de uma ideia amplamente explorada na ficção científica e no terror: a obsessão humana por um conhecimento transcendental e as consequências catastróficas que resultam dessa busca. Contudo, se em “Frankenstein” o horror decorrido da sede de conhecimento científico do protagonista trilha um caminho de discussão moral ainda atrelado aos interesses do nosso “mundo real”, o livro de Lovecraft se embrenha por veredas mais nebulosas.
Narrado em 3ª pessoa, o livro apresenta o estudo de um caso que vem intrigando os médicos que trataram do jovem Charles Ward, o qual parece ter enlouquecido em circunstâncias misteriosas e apavorantes. Assim como em seus contos de horror, a loucura é um tema recorrente neste livro, um lembrete de que a mente humana não foi feita para suportar o conhecimento do além e das monstruosidades que nele habitam.
Para compreender as causas da suposta loucura de Ward, Lovecraft faz um longo e minucioso flashback onde conhecemos Ward desde a infância, quando já demonstrava um vivo interesse por antiguidades; posteriormente, ao crescer, ele descobre seu parentesco com Joseph Curwen, ancestral quase totalmente apagado dos registros históricos. Conforme se torna obcecado por obter mais informações sobre esse antepassado sinistro, Charles encontra vagas referências a ciências ocultas e magia negra, desde necromancia até invocações demoníacas.
De forma análoga à estranha relação entre Jekyll e Hyde em “O médico e o monstro”, Ward e Curwen também compartilham uma ligação macabra – embora estejam separados por mais de um século. A investigação sobre o vínculo que os une fica a cargo do Dr. Willett – médico da família Ward com uma função similar à de Mr. Utterson na história de R.L. Stevenson. Enquanto adentra naquele mundo de horror e malignidade, Willett percebe que o caso de Charles Dexter Ward é muito mais grave do que “simples” loucura. Esta é uma leitura surpreendente, e se há algo negativo que eu tenha a dizer é que me incomodou um pouco o fato de Lovecraft privar os personagens de voz em mais ou menos 90% do livro: a história é quase toda narrada em forma de relato indireto, ou seja, sem diálogos (exceto o trecho final, que é eletrizante). Eu não diria que isto é um defeito, pois é uma característica já bem conhecida nos contos do autor; acontece que num romance, dada a sua extensão mais longa, essa técnica narrativa acaba se sobressaindo e obscurecendo a dinâmica da história.