leiturasdemadu 06/03/2024
Consciência de classe, linguagem, dialeto
Vai tempo e vem tempo, o romance de 1963 enfatiza a existência de um quadro social duro e penoso entre viajantes sertanejos miseráveis. É escancarado o cenário da fome, da seca, da busca por nutrientes, por água, por solo bom para plantar e colher; tudo achado com uma dificuldade que beira a sorte? ou a morte.
A história explora os pensamentos de Fabiano, sua esposa Sinha Vitória e seus filhos, um mais velho e um mais novo. Cada um apresenta divergentes questões sobre vivência e sobre ser gente no mundo. Fabiano, por exemplo, se achava bicho: acovardado, sem coragem de ?pôr pra fora? palavras e gestos que, na sua concepção, lhe fariam homem, sempre a pensar que a brutalidade era sinônimo de exalar genuinamente o masculino. Um segundo exemplo é o filho mais velho, que gostava de palavras novas e apreciava a beleza do soar de vogais e consoantes de ?inferno?, no qual levou um xingamento e cocorote por se encantar pelo ?mal? ? no qual ele mal sabia o significado. Isso porque o domínio sobre a linguagem era um tópico de Vidas Secas ora bem visto, ora resmungado entre críticas de que palavra bonita não enchia ?o bucho?.
O livro aguça sobre a consciência de classe e a existência de uma desordem no que se refere a garantias de subsistência às parcelas mais pobres, bem como a família de Fabiano. Como dito na narrativa, todos viviam como ?ciganos?, viajando por aí, no entanto, a viagem era calcada à mercê de encontrarem um teto, um terreno decente, comida próxima e água por perto, com o seu maior inimigo por perto: a seca.
Vidas Secas aborda a linguagem em toda a sua narrativa, tanto no sentido de ambientizar o(a) leitor(a) de que região geográfica estamos próximos (dialeto), mas também no sentido literal. A história humaniza bichos e animaliza pessoas: quem é cadela pensa como gente política, e quem é gente conversa por múrmuros e age com o impulso de um ser mal treinado. A linguagem ? ferramenta de poder e acessibilidade a quem detém ? não era próxima e dominada pela família, muitas vezes criticada por Fabiano.
A obra escala variados temas que dão pano para manga para crescer a criatividade, a opinião, a observação, a política, o gênero literário e, principalmente, a linguagem. É um produto exemplar para variados estudos!