Carol Nery 24/09/2018Mentindo pra si mesmo...Rousseau, filósofo do século XVIII, afirmou que difícil e muito raramente uma mentira seja completamente inocente. E a autora Lisa Scottoline não se fez de rogada nem na escolha do título, nem na sinopse, e muito menos na frase de capa que nos diz que “A mentira perfeita é aquela que você conta a si mesmo.” O que esperar de um livro com um tema desses? Garanto que muitas emoções rolam no decorrer dessas páginas. Nosso protagonista consegue nos deixar em um verdadeiro dilema: ele é realmente quem diz ser, ou tudo faz parte de uma mentira perfeita? Venha comigo conhecer alguns pontos dessa história.
Chris Brennan acaba de se mudar para Central Valley (Pensilvânia), e busca uma vaga de emprego como professor substituto em aulas de Política Avançada e Justiça Criminal, e outra de Treinador Assistente do time de beisebol na escola de ensino médio local. Seu currículo é impecável, possui boa aparência, bons modos, e demonstra ser uma pessoa muito agradável para ser um colega de trabalho ou vizinho. Mas, assim, logo de cara, a gente descobre que tudo que sabemos sobre Chris é uma mentira muito bem arquitetada.
Ele usa esse pseudônimo e seu currículo é simplesmente todo construído, falso. O motivo dele ter ido para Central Valley faz parte de um plano, que pelo que parece, perfeito. Sua obrigação é estar de olho no time de beisebol, principalmente em três meninos cujo suas vidas, bem como a de seus familiares, têm relação com o time. Então vamos conhecer um pouco mais sobre essa história que de perfeita mesmo, foi a junção de suspense com drama em doses equivalentes. A velocidade que a narrativa “pega ritmo” é incrível. Não vi o tempo passar quando estava com o livro nas mãos.
“Mentir para nós mesmos está mais profundamente arraigado que mentir para os outros.”
~ Fiódor Dostoiévski
Confesso que não conhecia esse gênero no qual Uma mentira Perfeita se enquadra: o Thriller Emocional. Mas, me surpreendi em a cada página lida e foi fantástico ter minha atenção e minha curiosidade atiçadas. E eu tenho mais uma confissão... O plot twist que veio no Segundo Passo me fez perceber o quanto a autora me fez de boba no primeiro capítulo. Senti-me muito trouxa quando comecei a entender o que Scottoline armou! Ela é uma autora super-reconhecida e muitíssimo publicada, e não estava dando para acreditar que ela iria entregando o ouro sobre tudo e todos nesses primeiros capítulos, onde por pouco, fiquei muito desanimada pensando que o livro não conseguiria ser tão bom – eu não poderia estar mais enganada.
Ela nos conta que Chris na verdade é Curt Abbott, e que a grande maioria das histórias que ele contou durantes as entrevistas para o emprego e para seus novos colegas professores, são partes de uma grande e bem arquitetada mentira. Ele está agora na cidade e têm alguns dos adolescentes como alvo para algum plano que inicialmente ficamos muito na dúvida do que se trata. Não conseguimos entender quão psicopata ou terrorista Chris possa ser, e passamos a temer pela vida dos rapazes que ele acaba por enlaçar em uma rede de bons conselhos, festas em sua casa, aulas interativas, e seu rosto de bom moço.
“Chris procurava uma oportunidade de solidificar seu relacionamento com Jordan e acabar com Raz.”
É interessante a forma que a autora nos apresentou as personagens de seu livro, uma vez que tanto Chris, quanto os adolescentes nos quais ele demonstra um interesse exacerbado – sendo eles Raz, Jordan e Evan (como também suas famílias) – têm suas vidas destrinchadas ao passar dos capítulos. Ficamos íntimos desses jovens e começamos a nos simpatizar com as dificuldades que os adolescentes convivem nessa fase de ‘ensino médio’ onde precisam sempre estar com seus pensamentos além: em uma boa faculdade, nas condições de conseguir uma bolsa, e em não perder seu prestígio no time de beisebol, por exemplo.
Raz perdeu seu pai recentemente, e parece ainda não ter vivenciado o luto por completo. Neil era um pai presente e que deixou Susan viúva e muito perdida na convivência com seus dois filhos. Jordan não tem pai, e sua mãe Heather se mata de trabalhar em uma lanchonete, nunca conseguindo acompanhar um jogo se quer do filho – e olha que agora ele está no time principal. Isso acaba com ela... Já Evan é um rapaz rico, sua família possui status, ele desfila com uma BMW novinha em folha que ganhou de seus pais Paul e Mindy, e tem muitas meninas a seus pés.
E é através da relação que o ‘treinador’ desenvolve com esses adolescentes que Uma Mentira Perfeita acontece. Uma história envolvente onde podemos nos deparar com diversos dilemas da natureza humana, como frustrações, decepções, amores proibidos, amores correspondidos, e algumas mortes, porque não tem como faltar cadáveres em um bom thriller.
Contudo, Immanuel Kant, que é considerado como principal filósofo da era moderna, defendia que aquele que mente (seja por qual motivo for, e por mais que suas intenções sejam as melhores), tem que lidar com as consequências de sua mentira. Uma vez que Chris vive mentindo, e às vezes até mesmo acreditando em suas próprias mentiras, basta-nos acompanhar a cada página como isso tudo irá terminar, uma vez que é notório como mentiras corrompem e definham os relacionamentos.
“O exercício em sala de aula era insignificante perto do que os aguardava pela frente, e Chris não podia confiar em um garoto que desmoronasse quando as coisas ficassem difíceis. E letais.”
Vamos lendo e nos dando conta que muitas mentiras permeiam a vida das personagens desse thriller. Chris não merece levar todo o crédito por tanta mentira e enganação nessa trama. Muitas outras personagens escondem segredos, contam mentiras, e se envolvem em uma rede de confusões por isso. Outra coisa que achei bem interessante foi que durante a leitura, mesmo que saibamos a verdadeira identidade de Chris (o tal Curt Abbott), a autora continua o chamando por Chris, e ele mesmo pensa em si como Chris. Um tanto dessa personalidade parece ter tomado conta de Curt durante as semanas que viveu em Central Valley.
Será que ele conseguirá se desvencilhar dessas pessoas e dessa personalidade? Esse livro merece uma continuação, pois nos apegamos demais a alguns personagens? Essas são algumas das questões que fiquei ansiosa até descobrir as respostas, ou não.
Aprendi também que por ser um thriller emocional, temas mais dramáticos e que nos faz deparar com situações reais – como terrorismo caseiro, vingança, troca de nudes entre adolescentes, relacionamentos impróprios, fraudes, desequilíbrio psicológico, etc. – são os principais componentes que dão corpo à história, trazendo assim além de interesse pela leitura, momentos de reflexão sobre como vem acontecendo diversas dessas situações no nosso dia-a-dia, conosco, com nossos amigos, com nossa família, e com nossos filhos.
“Não se abra tanto para completos estranhos. Não conte suas coisas mais pessoais. Não poste todos os detalhes sobre sua vida particular. Você não faz ideia de quem está por aí, querendo ser seu predador, usando essas informações para a vantagem deles. Como eu.”
Sobre essa edição, a editora HarperCollins apostou na simplicidade. Uma edição de 400 páginas em brochura, onde na capa temos o título da obra e a imagem de um corredor típico de escola americana, com armários em estilo escaninho – e que tem tudo a ver com o clima do livro. No interior a editora propôs uma diagramação despretensiosa, com diagramação em fontes bastante confortáveis à leitura, e com folhas amareladas – o que a maioria dos leitores prefere.
A minha nota foi de 4 em 5 estrelas, o que significa que adorei passar esse tempo com Chris e os demais personagens, e recomendo para aqueles leitores que se identificam com esse gênero literário. Essa forma que Lisa desenvolveu os acontecimentos e fez com que o fato da perspectiva dos personagens seja mais valorizada do que a perspectiva policial me ganhou. O relato dos fatos nos é contado pelo protagonista e a narração é feita em terceira pessoa. Porém, personagens secundários também ganham voz e autonomia com suas histórias que nos comove e envolve. Tudo muito importante para nos preparar para o clima que o enredo tece.
A respeito da autora, Lisa Scottoline tem hoje 63 anos, é norte-americana nascida na Philadelphia, teve mais de 20 livros na lista dos best-sellers, e suas obras já foram publicadas e traduzidas para mais de 30 países. É advogada, escreve uma série de livros com sua filha, e continua morando em Philly, a Cidade do Amor Fraternal.
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