Jose.Maltaca 08/03/2022
Paz e Guerra
Guerra e Paz é um monumento, uma obra colossal que se desdobra em vários temas, personagens, momentos históricos e acontecimentos bombásticos. Publicada originalmente em 1865 pelo lendário escritor russo Liev Tolstói, o livro cobre um período de 15 anos (1805-1820) da história russa, narrando os destinos de quatro famílias aristocráticas durante um período conturbado em que se intercalavam a paz e a guerra. Assim, uma galeria memorável de protagonistas ganham vida e profundidade psicológica sob a tutela de Tolstói, com destaque para Pierre Bezukhov, Natasha Rostova, Mária Bolkonskaya e Nicolau Rostov. As personagens se chocam como bolas de bilhar impulsionadas pelos acontecimentos históricos e pelas exigências da alta sociedade russa, em que se misturam o determinismo, o seu consequente fatalismo e, por fim, o inevitável espiritualismo subjacente.
A obra é dividida em quatro tomos, sendo que os dois primeiros são muito diferentes dos dois últimos. Narram uma história só? Sim. Carregam os mesmo personagens? Sem dúvida. Buscam abordar temas similares? Com toda certeza. Porém, os primeiros dois volumes se estendem em sua cronologia por mais de uma década, narrando eventos sucessivos, porém esparsos no tempo, enquanto os dois últimos têm seu enfoque na invasão napoleônica da Rússia, um período que abrange alguns meses – com exceção do epílogo, o qual se passa vários anos depois. Assim, as primeiras partes narram um período em que predomina majoritariamente a paz, enquanto os dois últimos narram a guerra, o que faria a denominação “Paz e Guerra” mais coerente. Os primeiros tomos também não entram a fundo nas ideias de Tolstói acerca da maneira como a história ocorre, ao passo que em quase todos os volumes que compõem o livro dois, Tolstói dá seus dois centavos sobre como ocorre o processo histórico – o que o autor também faz no extensíssimo segundo epílogo. Essa repetição por vezes se torna enfadonha, uma vez que interrompe o fluxo narrativo para exemplificar um ponto que já estava claro anteriormente.
A história de Guerra e Paz, contudo, é um deleite. Misturando personagens fictícios com figuras históricas reais, o livro consegue a proeza de dar profundidade e camadas psicológicas a figuras proeminentes na história mundial, com destaque óbvio para Napoleão, mas também para Mikhail Kutúzov, marechal do exército russo, e também para o Imperador Alexandre I. De um ponto de vista histórico, Guerra e Paz é um prato cheio para adentrar nas nuances de um período conturbado da história mundial, compreendendo a invasão napoleônica da Áustria, a paz selada entre a Rússia e a França e a fatídica e famosa invasão da Rússia pelo exército francês. Porém, concomitantemente, as personagens são ricas, interessantes e profundas, buscando o sentido da vida em vários lugares e fracassando sucessivamente – seja na busca pela glória militar, pela influência na burocracia estatal, pelo conhecimento maçônico ou pelo amor conjugal. A lição final de Tolstói é de que a espiritualidade individual é a única busca frutífera, sendo que a simplicidade é a felicidade plena – o que é personificado pelo personagem Platon Karataiév. Por todos os motivos acima citados, Guerra e Paz é um livro reflexivo, instigante, arrebatador e, sem dúvidas, obrigatório.